quarta-feira, 31 de março de 2010

Minutos Finais

O relógio da parede marcava exatamente vinte três horas e doze minutos da noite de terça-feira. Douglas não sabia a razão daquele relógio pendurado ali. Ora, se fosse para manter as pessoas trabalhando até tarde ele preferia não saber o horário, como em um cassino ou algo parecido. Pegou mais um café e voltou para o computador. Pelo menos eles dispunham de uma máquina de expresso. "Todo o café que você conseguir beber" era o lema.

Ano após ano, o fechamento contábil era essa correria, mas dessa vez a coisa estava ainda mais complicada, nenhum dado batia. Douglas precisava fechar o trabalho até o final da noite, pois o processamento levava pelo menos oito horas. Amanhã pela manhã, antes do diretor chegar, tinha que estar tudo pronto. Para piorar as coisas, o diabo do diretor, contrariando a regra, gostava de chegar cedo.

O primeiro gole do café não desceu bem, algo estava errado. Sentiu uma pressão desconfortável na altura do peito que em poucos segundos espalhou-se para os ombros e pescoço. Mas, foi apenas quando a tontura lhe bateu à cabeça, que ele percebeu o que realmente estava acontecendo. Estou sofrendo um ataque cardíaco!

Se dar conta de um ataque cardíaco é tão, ou mais perturbador, do que o ataque em si. E agora? O que vou fazer? Será que vou morrer aqui, nesse escritório vazio? É estúpido as coisas que passam pela cabeça da gente essa hora. Pensou no Bruce Banner, se transformando no Hulk, as mãos contraídas sobre o tórax, os olhos trocando de cor, as roupas estourando... Não, não, preciso me concentrar, pensar em um jeito de sair dessa.

A dor apertou, juntamente com a tontura. Caiu de joelhos. Tentou alcançar o celular, sem sinal. Sem sinal? Isso parece mais o roteiro de um filme ruim. Preciso de um... Qual o nome mesmo? Desfibrilador, isso preciso de um desfibrilador. O James Bond tem um no carro, como é que a gente não tem isso aqui no escritório? Jack Bauer desmontaria o carregador do notebook e enfiaria os fios desencapados no peito. 

Foi se encolhendo mais e mais tentando suportar a dor, mas acabou caindo de costas no carpete, respirando com dificuldade. Dali, conseguia ver as luzes fluorescentes do teto, com seu brilho monótono. Não ande para a luz, não ande para a luz, não é a assim que eles dizem? Será que é hoje que os anos de obesidade e sedentarismo virão cobrar o seu preço? Começou a ver a vida passar em frente aos olhos. Os amores que não teve, as viagens que não fez, os amigos que deixou na mão por conta desse trabalho. Tudo por quê? Pra quê? Para morrer sozinho jogado em um carpete velho e cheio de ácaros? Nada disso vale a pena, se eu sair dessa vou mudar minha vida, fazer tudo diferente. A dor apertou mais ainda, achou que iria desmaiar.

Então, súbito, tudo passou, como se um peso de trezentos quilos tivesse sido removido de cima do seu peito. Levantou devagar, conferiu o corpo, nada, a dor sumiu tão repentinamente quanto surgiu. Sentiu o coração se enchendo de alegria, não seria esse o dia da sua morte. Então, olhou para a tela do computador e lembrou. Sentou novamente em frente ao teclado resignado, o maldito do diretor chegava cedo.

[]s
Jack DelaVega