O expediente das pessoas normais já ia
terminando, das pessoas normais, mas não o dele. Não tinha medo de trabalho,
isso não o assustava, e era fato que já havia se acostumado com a rotina
puxada. Mas, a verdadeira razão talvez fosse que, na verdade, ele não possuísse
ninguém para voltar. Mais do que tudo, aquele era seu lar.
Um lar em certa parte feliz, diria
harmonioso. Pelo menos até seis meses atrás, quando por conta do falecimento do
dono da empresa, ele começou a trabalhar para o filho do patriarca. O herdeiro
era em tudo o oposto do pai. Incompetente, arrogante e despreparado, eram os
principais adjetivos que vinham à mente. Ossos do ofício, ele pensava. Já era
vivido o suficiente para saber que volta e meia todos nos deparamos com um
idiota no campo profissional, ainda que o novo chefe competisse em nível
olímpico na categoria.
Foi chamado à sala do Napoleão, apelido
carinhoso do superior. Encontrou-o já bufando:
- Quem é responsável por isso?
Inquiriu, retoricamente.
- Você sabe.
- Para você é Senhor, cadê o diabo do
respeito rapaz?
Sentiu mais saudades ainda do velho.
Engoliu seco o orgulho:
- O Senhor sabe.
- A qualidade, que já é normalmente baixa,
está pior ainda.
Pensou em argumentar, mas sentiu-se
cansado demais para isso.
- E...
- E, se a coisa continuar assim vou ser
obrigado a demiti-lo. Obrigado não, porque com esse nível de trabalho, parece
que você está praticamente me implorando para fazer isso. Hmm, acho que
entendi, é bem típico da sua laia. Quer ser demitido para ganhar os benefícios,
sacar o fundo de garantia.
Era sua chance, jogar a toalha e sair do ringue
carregado.
- Pois é, pelo jeito o senhor decifrou meu
plano maligno.
O sujeito percebeu a ironia e perdeu de
vez a compostura:
- Ponha-se daqui para fora rapaz. Você
está demitido! Só volte aqui amanhã para pegar as suas coisas e assinar os
papéis.
No corredor apertou compulsivamente o
botão do elevador. Queria sair daquele lugar, deixar tudo para trás, para nunca
mais voltar. O elevador chegou. Apertou o térreo, e esperou. Esperou quase
enojado com a lentidão na qual o aparelho se deslocava. Ao chegar ao destino
saiu apressado. Quando finalmente alcançou a calçada, até o ar quente de uma
noite de verão do Rio de Janeiro, pareceu refrescar-lhe. Por alguns metros
caminhou devagar, sentia-se miserável, derrotado, mas de alguma maneira
aliviado. O pesadelo havia, de certa maneira, acabado.
Então, ouviu um estrondo que mudou seu
mundo completamente. Ao olhar para trás, viu o prédio onde trabalhou por mais
de quinze anos, desabar em pedaços.
[]s
Jack DelaVega