quarta-feira, 21 de abril de 2010

Será o fim de Maslow?

Quem nunca ouviu falar de Maslow atire a primeira pedra. A sua teoria da pirâmide de necessidades está embutida em 99% de todas as teorias motivacionais, cursos de liderança e de desenvolvimento pessoal e profissional que hoje existem.

Se você não se lembra exatamente a teoria de Maslow, é aquela que se define que as necessidades das pessoas segue uma hierarquia e que as necessidades de nível mais baixo devem ser satisfeitas antes das necessidades de nível mais alto, ou seja, elas são atingidas em uma ordem específica. A pirâmide ao lado representa os 5 níveis da teoria de Maslow. No nível mais baixo estão as necessidades fisiológicas, como comida. Ninguém consegue pensar em segurança e estima se não tiver fatores tão básicos resolvidos. E por aí segue. O segundo nível é o da segurança, que significa tanto segurança na vida como segurança no emprego.

Ainda segundo Maslow, as necessidades fisiológicas, de segurança a algumas sociais são fatores desmotivacionais ou higiênicos. Ninguém consegue motivar alguém suprindo essas necessidades, mas certamente a falta gerará desmotivação. Todos os outros níveis já são considerados fatores motivacionais.

Pois bem, técnicas modernas de estudo do cérebro estão destruindo com algumas bases de Maslow. Na Universidade da Califórnia em Los Angeles (Ucla), algumas pessoas foram submetidas a um jogo eletrônico enquanto tinham seu cérebro monitorado. O jogo, apelidado de Cyberball, consiste de três avatares que jogam bola entre si. Você controla um dos avatares. O interessante do experimento é que, no meio do jogo, os outros dois avatares simplesmente começam a ignorar o seu avatar e jogar bola somente entre si, não passando mais para o seu avatar. O sentimento de exclusão e de raiva gerado pelo ostracismo dentro do jogo foi mapeado no cérebro na mesma zona da dor física, ou seja, o sentimento de exclusão provoca no cérebro a mesma reação que a dor física. A conclusão do estudo é que a "dor social" e a dor física podem causar no ser-humano sentimentos e reações muito análogas.

Os cientistas envolvidos na experiência justificam a reação do cérebro alegando que, para um mamífero, estar conectado socialmente com quem fornece carinho é essencial para a sobrevivência.

A conseqüência do estudo é incrível. Em uma empresa, se uma pessoa sente-se excluída, traída ou não reconhecida pode estar sofrendo tanto quando um soco na boca do estômago. Pessoas já habituadas no ambiente de escritório podem até estar mais habituadas a essa dor, mas continuam sentindo a mesma dor, afinal, ninguém consegue se isolar da dor de um beliscão no pescoço. Junto com a resignação a dor social, entretanto, a restrição da atuação e o conformismo geral vêm de arrasto, fazendo o profissional para de pensar fora da caixa e tendendo a agir mais mecanicamente do que qualquer outra coisa.

Estudos anteriores e até parte do estudo de Maslow, baseiam-se no fato das prioridades que o cérebro dá a certas ameaças - externas e internas. Por exemplo, quando estamos com fome o cérebro considera a falta de alimento algo que deve ser respondido como prioridade número 1 e, conforme o nível da ameaça, seqüestra a amígdala para agir de forma rápida mas também emocionalmente devastadora. Até aí, tudo bem. As duas teorias se juntam.


Onde o novo estudo da Ucla entra em conflito com Maslow é exatamente na área social, que na pirâmide de Maslow situa-se parte na faixa do "Relacionamento" e parte na faixa da "Estima". Segundo o estudo, o cérebro trabalhará contra a ameaça de exclusão, humilhação e outros tipos de dores sociais da mesma forma que a dor física ou fome. Ou seja, dependendo do nível, pode inclusive seqüestrar a amígdala e fazer a pessoa agir de forma praticamente irracional para solucionar o problema.

Com base nesse estudo e em outros que descobriram como nosso cérebro reage a dores e ameaças sociais, cinco qualidades foram enumeradas como essenciais para qualquer executivo ou líder de empresa aprender a lidar e ter na cabeça para minimizar a resposta à ameaça e facilitar a resposta à recompensa. A sigla para essas cinco qualidades em inglês é SCARF (status, certainly, autonomy, relatedness e fairness). Em português, foram traduzidas para status, segurança, autonomia, conexões e justiça. O modelo é de David Rock.

O status está lá por ser uma necessidade. Pessoas podem ter um aumento grande em seu salário, mas se não forem valorizadas e respeitadas no dia-a-dia em relação aos seus pares, tudo pode ir por água abaixo. O feedback, por exemplo, uma ferramenta hoje espalhada em todas as organizações, é um grande instrumento para diminuir o status se não usado com grande cautela. Entender o papel do status na organização é essencial para qualquer líder para evitar comportamentos automáticos e contraproducentes.

A segurança é também essencial em qualquer ambiente produtivo. Você já foi para o trabalho e, ao chegar lá nem sabia como tinha chegado lá, pois nem pensou em mudar marchas e muito menos o caminho que seguiu? Pois bem, o cérebro, à frente de uma situação de segurança, baseia-se em conexões fortemente estabelecidas, guarda energia e libera o resto do cérebro para pensar em outras coisas. É claro que a zona de desconforto é necessária, pois é aí que desafios e novas conexões são criadas. Entretanto, entender a forma que o cérebro age à segurança e a sua importância para a produtividade é fundamental para qualquer um.

A autonomia é interessante. Basicamente, os estudos comprovaram que a capacidade de se tomar decisões sem muita supervisão faz com que o estresse permaneça sob controle. Na prática, estamos falando de empowerment, prioridade número 1 em qualquer gerência ágil.

Ter conexões significa ter um grupo de pessoas e sentir-se parte do mesmo grupo social. Todos de uma certa forma sabemos disso por experiência própria. Quando uma nova pessoa nos é apresentada, pensamos, consciente ou inconscientemente, em diversas coisas para saber se consideramos a nova pessoa amiga ou inimiga. Se ela for percebida como diferente, o cérebro fará com que a informação viaje por um caminho associado a sentimentos desconfortáveis. O corolário para se manter as conexões é que não se deve colocar uma pessoa diferente em um grupo aleatoriamente, pois afetará a produtividade. A inclusão deve ser cuidadosa e pensada como uma estratégia.

A justiça é uma qualidade que fala por si. Ela é tão poderosa que pode gerar reações ainda mais extremas que a do status, ou seja, pode fazer as pessoas agirem fora da racionalidade, com sua amígdala totalmente seqüestrada.

Não devemos esquecer a pirâmide de Maslow, de forma alguma. Ela ainda tem o seu valor. O que é importante nessa grande descoberta é o quão crítico a dor social é para as pessoas. Usar o modelo SCARF não é opcional para líderes e executivos e, assim como Maslow, será inadmissível daqui a poucos anos não saber o modelo SCARF e não tomar ações pensando nas cinco qualidades para manter a sua equipe motivada, focada e com sede de novos desafios.

Dr. Zambol
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