quarta-feira, 24 de março de 2010

Lições de um Velho Bodegueiro

Todo o ano era a mesma ladainha:
- Por que esse governo não dá. O povo nunca esteve tão miserável, ninguém tem dinheiro para nada. Hoje à tarde, por exemplo, não vendi nada no bar.

O bar e mini-snooker, cuidado pelo meu pai e minha avó, era o que dava o sustendo para a nossa família. Pagou a minha educação e a do meu irmão. Não éramos ricos, longe disso, fazíamos parte da tradicional classe média que foi ficando cada vez mais espremida durante os anos de inflação. Mas, lembro com saudades daqueles tempos e tenho o orgulho de dizer que nunca me faltou nada em casa. 

Porém, para o meu pai, a culpa era sempre dos outros, governo em cima de governo, os militares, a direita, a esquerda, nada fazia diferença para ele. Analisando rapidamente é fácil concluir que ele não possuía um perfil empreendedor, mas o problema era uma pouco mais profundo do que isso. O fato é que o velho detestava o que fazia e, se para quem gosta do que faz as coisas já não são fáceis, imagina para quem não gosta.

Lamentava-se, dizendo que suas opções profissionais foram podadas pelo pai. Queria ser jogador de futebol, chegou a ser aceito no juvenil do Grêmio, mas foi proibido de seguir carreira. 
- Futebol é coisa de vagabundo. - Dizia meu avô.
Depois disso, encantou-se pela carreira militar. Tinha planos de seguir para as Agulhas Negras e tornar-se oficial. Mas essa escolha também foi barrada, pois implicava em mudança de cidade.
- Quem vai cuidar da tua mãe quando eu não estiver mais aqui?
Resignou-se, então, como dono de bar, mas nunca gostou da opção que lhe sobrou.

Se por um lado essas frustrações limitaram as opções de carreira, ele fez o que qualquer um de nós faria: buscou as realizações através dos filhos. Não abriu mão de que eu e meu irmão tivéssemos um curso superior. De fato, eu fui o primeiro da minha família inteira a conseguir um diploma, não que isso seja muita coisa nos dias de hoje. Contudo, frustrei parcialmente as expectativas do velho. Pela rigidez da hierarquia, nunca vi graça na carreira militar e, por sorte, não gostava de futebol. Sou um dos poucos sujeitos destros com a mão e canhotos com o pé. Meu futebol se restringe a correr sem a bola ou ficar parado com a bola, nunca consegui fazer os dois juntos.

Não é nada justo criticar as posições de alguém que, a despeito de não gostar do que fazia, nunca deixou de colocar comida na mesa, não é esse o meu objetivo aqui. Mas não posso de tentar aprender um pouco com os comportamentos dele, dos quais tiro duas lições:
- O Sucesso, não restrito apenas a esfera profissional, só pode ser obtido quando temos paixão pelo que fazemos.
- Quando não estamos satisfeitos com nós mesmos o mais fácil sempre é jogar a culpa nos outros.

Foi ele mesmo que me ensinou isso na ocasião que pedi demissão de uma multinacional, sem nada em vista (fato descrito nesse texto). Todos me acharam louco, meus amigos, minha namorada e futura esposa, meu pai foi o único a me dar razão:
- Filho, tu está certo, não dá mesmo para trabalhar em um lugar que a gente não gosta.
Sábias palavras, que levo comigo até hoje.

[]s
Jack DelaVega