quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Farol da Solidão


- Acorda para cuspir!
Era assim que o meu pai me tirava da cama quando eu ainda era pequeno. Confesso que ainda hoje não entendo bem essa expressão. Naqueles dias lentos de verão levantava-mos às cinco da manhã para ir pescar. Era o melhor programa do mundo para um garoto de doze anos. Mas, ainda que houvesse se tornado rotina esse tipo de passeio, aquele seria um dia especial. Depois de um rápido café da manhã, partiríamos de Quintão, um balneário da classe média(baixa) do Rio Grande do Sul, em direção ao Farol da Solidão.

O Farol, situado a sessenta quilômetros de Quintão, era uma espécie de santuário secreto da pesca, um lugar onde os papa-terras ofereciam-se aos anzóis da mesma maneira que os salmões aos ursos, durante a migração rio acima. O trajeto só podia ser feito pela beira da praia, um verdadeiro desafio para a Belina de meu pai, que certamente não fora projetada para esse tipo de terreno. A vantagem disso era curtir o sol nascendo ao mar à medida que nos aproximávamos mais e mais do nosso destino.

Depois de quase uma hora o Farol finalmente surgia impávido, como o único ponto de referência de uma região desolada. Para minha tristeza, passamos dele sem mesmo parar. Meu pai agora reduzia a velocidade procurando os "buracos", prática que ele me explicava como a seriedade de um mestre Zen:
- Júnior, o segredo é encontrar o buraco certo, o local onde os papa-terras costumam ficar, entre o banco de areia e a segunda arrebentação. Aí é só jogar o anzol.

Um ensinamento que certamente poderia ser levado para o resto da minha vida: "O sucesso depende de se encontrar o buraco certo".

Finalmente satisfeito, ele parou o carro. Descarregamos e montamos os caniços. Um balde cheio de mariscos, recolhidos na tarde anterior, garantia que não faltariam iscas. Com pouco vento e mar claro, coisa raríssima no litoral gaúcho, aquele era mesmo um dia perfeito. Não tardou os papa-terras começarem a beliscar os anzóis com profusão nunca vista. Chegávamos a tirar de dois, até três peixes por arremesso, em um ritmo de fazer inveja a pescadores profissionais. Seguimos assim até perto do meio dia, quando o sol começou a castigar. Resumo do dia: eu havia pego sessenta e cinco papa-terras e a conta de meu pai beirava os cem. Exaustos  e com a sensação do dever cumprido, retornamos para casa.

Frequentemente, lembro-me daquele dia, de como tudo funcionou como devia funcionar, mas o fato é que depois dele eu perdi o gosto pela pesca. No início pensei que fora o início da adolescência e a descoberta pelo sexo oposto, mas não, em meu coração fiquei com a sensação de que jamais conseguiria superar aquele dia perfeito. É esse objetivo que persigo incansavelmente na minha vida profissional, encontrar um dia perfeito. Mas sempre torcendo para que ele nunca aconteça.

[]s
Jack DelaVega