segunda-feira, 27 de julho de 2009

E quando o líder erra?

Este final de semana estive no sudoeste da Irlanda, mais precisamente no condado de Kerry - um lugar muito bonito, recomendo para qualquer um visitando esses lados. Estive lá fazendo um curso avançado de montanhismo, que entre outras coisas ensinava a navegar nas montanhas quando a visibilidade está prejudicada - por exemplo por causa de nuvens, tempestades (chuva ou neve) ou simplesmente porque está escuro. Uma coisa é você se locomover quando enxerga onde está indo, quando existem pontos de referência. Outra coisa bem diferente é quando não há distinção sobre o que está ao seu redor.

Passamos então a tarde de sábado treinando técnicas bastante simples, que envolvem basicamente o uso de uma bússola e um mapa. Qualquer escoteiro conhece essas técnicas, mas é outra coisa aplicar elas em uma região que você não conhece e com realmente pouca visibilidade. Ainda mais quando você tem um grupo dependendo de você. A verdadeira prova de fogo viria à noite - aí sim teríamos que aplicar o que havíamos aprendido.

Não há melhor lugar no mundo para um treinamento desse tipo. O tempo na Irlanda já é chuvoso, como muita gente sabe. Nas montanhas do condado de Kerry então, chove quase todos os dias do ano. Nesse sábado estava chovendo muito, nuvens baixas. Quando a noite caiu, era impossível enxergar um palmo à frente do nariz sem as lanternas. E mesmo com as lanternas, a sensação é de não ter noção nenhuma de para onde você está indo. Depois da "janta", os instrutores dividiram o grupo em duplas e cada dupla deveria liderar o restante do grupo até um determinado local especificado no mapa. Tudo que sabíamos era onde estávamos inicialmente e onde havíamos estacionado os carros. "Cabe a vocês nos tirarem dessa montanha em segurança", definiu um dos instrutores.

A primeira dupla de líderes seguiu então buscando uma junção em um riacho que descia de uma das montanhas. Um dos integrantes da dupla era um cara aparentemente com bastante experiência, então ele rapidamente fez os cálculos, definiu uma rota e pediu para que seguíssemos ele. Não era a rota que eu faria, mas resolvi não intervir - eu confiava que ele nos levaria até o nosso destino corretamente. Depois de 40 minutos zanzando na chuva e nos escuro ao redor de um riacho, decidimos que aquela ali era a junção que estávamos procurando no mapa - embora eu tenha certeza que a maioria resolveu acatar a decisão mais por cansaço do que propriamente por convicção. Era chegada a vez da minha dupla então. Tínhamos que levar o grupo daquele ponto até um pequeno lago mais ou menos 2km à nossa direita, iniciando uma meia-volta que completaríamos (com sorte) em poucas horas até nossos aguardados carros.

A minha dupla era uma menina de 17 anos que não tinha noção do que tinha que fazer, e estava cansada demais para ajudar de alguma forma. Ela me pediu para fazer os cálculos, e eu prontamente atendi. Mas aí é aquela coisa. Como eu lidero um grupo de pessoas de um ponto ao outro quando não tenho certeza de onde estou e nem enxergo para onde quero ir? Parece uma situação familiar para você? De qualquer maneira, eu tinha que tentar - estava frio, chovia forte e todos estavam ansiosos para encerrarmos aquela brincadeira. Fiz os cálculos com base no que eu sabia, defini uma rota e compartilhei com o grupo. Ninguém deu uma palavra. Todos concordaram prontamente, o que me preocupou. Ninguém estava nem aí na verdade, estavam cansados, e o que eu decidisse seria a lei - o que é sempre muito ruim para um líder. Os instrutores apenas nos olhavam.

Seguimos em frente com nossas lanternas, buscando a direção que a bússola indicava. E depois de 20 minutos, 30 minutos, 40 minutos caminhando, nada do lago chegar. Estava claro que estávamos na rota errada. Resolvi parar e consultar o grupo, mas todos me encaravam com enorme cinismo. Ninguém mais fazia seus próprios cálculos e portanto não tinham informação para debater. Me olhavam como quem diz: "estamos perdidos e a culpa é sua". Eu tinha perdido a confiança do meu grupo. Eventualmente, depois de andar em volta por algum tempo, encontramos o tal do lago. Aparentemente havíamos nos desviado alguns graus para a direita, mas aquilo foi suficiente para nos distanciar completamente - no escuro o resultado é ainda pior. Mesmo depois de chegarmos aos tão aguardados carros, o grupo ainda me olhava cabreiro.

E aí, e quando o líder erra? O que você faz? Você fica cabreiro e cínico, fechando-se na sua concha, ou toma a iniciativa e tenta ajudar? É sempre mais fácil colocar a culpa no líder, certo? Pense sobre isso. Um dia irá acontecer com você.

Reggie, the Engineer (João Reginatto).
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