segunda-feira, 22 de junho de 2009

Viva a Sua Carreira - E Tenha Sucesso

O ano de 1953 é um conhecido marco na história do montanhismo. Foi naquele ano que Charles Houston liderou a expedição americana em busca do topo do K2, até então intocado (o K2 é a segunda maior montanha do mundo, com 8.611 metros de altura). Houston era um dos grandes alpinistas da época, fera mesmo. Havia tentado alcançar o topo da "montanha selvagem" anteriormente em 1938, sem sucesso. Agora, Houston voltava com força total e a ajuda de outros célebres alpinistas como Art Gilkey e Pete Schoening. O objetivo era claro, o grupo era o melhor possível, o topo parecia ao alcance.

Mas o K2 não é conhecido como a "montanha selvagem" por pouca coisa. A mais ou menos 7.800 metros de altura, a expedição deparou-se com uma tempestade terrível. Ventos fortíssimos e uma pesada nevasca tornaram qualquer deslocamento (para baixo ou para cima) praticamente impossível. O grupo sabia que era extremamente perigoso ficar naquela altura por muito tempo, mas todos estavam divididos entre os perigos da montanha e a ambição pelo topo. Armaram acampamento e sentaram-se dentro das barracas para esperar a tempestade passar. E ali, naquele lugar inóspito, a montanha prendeu aqueles 7 alpinistas por 10 dias. Dez longos dias.

Infelizmente, o que todo grupo de alpinistas nessa condição mais teme aconteceu. Art Gilkey desenvolveu tromboflebite (um tipo de trombose nas pernas, comum em altas altitudes) e não podia mais se mover sem ajuda. Um grupo de alpinistas com um integrante que não consegue se locomover sozinho torna-se um alvo fácil para uma montanha como o K2. Depois daqueles 10 dias de tempestade, todos sabiam que o topo não seria mais alcançado. Descer era a única opção. Mas agora tinham que decidir entre deixar Gilkey para trás e tentar a descida em segurança, ou carregá-lo e arriscar a vida de todos no grupo. Uma decisão fácil para alpinistas como aqueles.

Amarraram Gilkey em uma maca improvisada e iniciaram a descida em meio à tempestade. A dificuldade era monumental. O frio, a neve, o vento e a alta dificuldade da montanha somavam-se ao fato de estarem carregando uma maca com um alpinista de 80kg. Tomavam todas as precauções, e por isso a descida era lenta. O progresso era frustrante, praticamente imperceptível. Após descer umas poucas centenas de metros, a tempestade piorou. Todos já estavam esgotados. Sabiam que tinham que parar e esperar a tempestade diminuir, ninguém conseguiria sobreviver continuando naquela situação. Içaram então a maca de Gilkey sobre algumas pedras e amarraram-na a presilhas na montanha. Pete Schoening ficou para trás cuidando de Gilkey enquanto Houston e os outros 4 desceram para armar um acampamento básico em um parapeito da montanha alguns metros abaixo.

Foi então que o pior aconteceu.

Um dos alpinistas escorregou e rolou montanha abaixo, levando consigo seu colega de corda (nessas ocasiões é comum os alpinistas amarrarem-se em pares por segurança). Para piorar, a corda dos dois alpinistas que caíram estava entrelaçada com as dos outros dois pares, incluindo Houston e Schoening. Dessa forma, um a um os alpinistas foram sendo puxados e arrastados montanha abaixo, sem que tivessem tempo para reagir. Pete Schoening, por ter ficado para trás, teve um segundo a mais de tempo de reação, e ao ver o que acontecia com seus colegas mais abaixo, operou uma rápida manobra de âncora de segurança usando seu Piolet. Incrivelmente, os alpinistas tiveram sua queda interrompida, praticamente à beira de um imenso precipício. Lentamente, um a um começou a se recuperar do choque e dos ferimentos causados pela queda. Houston iniciou a subida auxiliando os outros companheiros, alguns dos quais bastante abalados. Após quase uma hora, estavam de volta junto a Schoening. Voltaram suas atenções para a montagem do acampamento novamente, e após muito custo, finalmente colocaram de pé duas barracas. Era incrível, mas Schoening havia segurado 5 alpinistas com sua manobra, e agora eles estavam novamente reunidos. Estavam salvos.

Dois dos alpinistas então subiram até onde haviam deixado a maca de Gilkey, de modo a trazê-lo para as barracas. Após alguns minutos chegaram ao local onde o haviam amarrado. E para a triste surpresa de todos, não havia sinal de Gilkey, de sua maca, de nada. Nunca ficaram sabendo o que houve, se uma avalanche o levou, se as amarras se soltaram, se ele quis aliviar o esforço de seus colegas. Gilkey havia sumido para sempre.

Outro dia publicamos aqui na Tribo um vídeo onde eu falei de dicas de planejamento de carreira. E me perguntaram o que fazer quando aquilo que planejamos para a nossa carreira não acontece. Eu cheguei a mencionar no vídeo, mas provavelmente não fui tão enfático: planejar a carreira não necessariamente implica que aquilo que planejamos efetivamente aconteça. Aliás, deixa eu pensar, acho que quase nunca acontece como planejado. Humm, não, deixe-me refazer a frase: nunca acontece como planejado. E quer saber? Isso nunca fez a menor diferença, pelo menos para mim.

Para quem planeja a sua carreira, muitas coisas acontecem razoavelmente dentro do planejado. Mas nunca exatamente. Nunca no momento que esperávamos, nunca exatamente como havíamos imaginado. Algumas vezes é frustrante, com certeza. Mas certamente é recompensador quando aquela oportunidade para a qual nos preparamos bate à nossa porta antes mesmo do esperado. A questão é que planejar a carreira é fundamental, mas viver a carreira é muito mais importante. É isso que vai fazer com que nosso objetivos se ajustem, nossas experiências nos engrandeçam, e os próximos passos passem a fazer mais sentido. Assim o plano se ajusta, em um ciclo contínuo. O sucesso da carreira não se mede contra o que foi planejado.

Naquele verão de 1953, Houston e seus companheiros não atingiram os seus planos iniciais. Uma tragédia estava no caminho deles. Mas nem por isso eles se arrependeram de ter passado por aquela experiência. Aquela expedição mudou a vida deles para sempre, de uma maneira que não podemos ousar julgar. Da mesma forma, quando se trata da sua carreira, não meça o sucesso contra aquilo que você planejou. Avalie sim o que você aprendeu com o que você experimentou.

Reggie, the Engineer (João Reginatto).
--