quarta-feira, 29 de abril de 2009

O homem de Ushuaia

O vento soprava frio e inclemente naquele início de tarde, tornando as retas monótonas da estrada ainda mais perigosas. O vazio da paisagem chegava a oprimir. Eu estava quieto, contemplativo. Havia recém perdido o emprego e me sentia realmente perdido. Esperava que a viagem, combinada às pressas com outros dois amigos, servisse para colocar as idéias em ordem e recomeçar minha vida. 

Chegar até a Patagônia, o fim do mundo. A minha esperança infantil era de que o local me trouxesse uma resposta. O que fazer a seguir? A verdade é que a ausência de uma perspectiva, de um plano B, me apavorava. Todos os meus passos haviam sido milimetricamente planejados até aqui, desde o início da graduação até os últimos movimentos na vida profissional. Mas a demissão mudava tudo e de certa maneira me jogava de volta à estaca zero.

Foi então que no meio do nada, dos duzentos e cinquenta quilômetros que ligam Rio Grande à Ushuaia, o andarilho apareceu. Era uma cena surreal, alguém caminhando com uma mochila nas costas no meio daquela imensidão, enfrentando um clima que beirava o zero grau. Não foi consenso no carro, mas acabamos parando para conhecer um sujeito que tinha uma barba de fazer inveja ao Náufrago. Ele abriu um sorriso largo e, para nossa surpresa, falou em português:
- Rola uma carona até Ushuaia?
Aparentava uns trinta anos, dois a menos que eu. Seguimos viagem quietos, mas depois de quinze minutos de silêncio constrangedor resolvi puxar conversa:
- O que você faz aqui? Perdido, no meio do nada.
- Pois é, dá a impressão que eu estou perdido, mas já estou na estrada há algum tempo. Deixei São José dos Campos há mais ou menos um ano e meio. Desde então, já trilhei boa parte da América Latina: Guiana Francesa, Venezuela, Colômbia, e por aí vai. Agora estou chegando finalmente à Patagônia.
- Que loucura, só você e a mochila?
- Eu e ela, inseparáveis.
Estávamos os três fascinados com as aventuras do sujeito.
- E depois? Para onde você vai?
- Depois só deus sabe, não costumo fazer muitos planos.
Sem planos, havia encontrado meu eu-bizarro. Disparei:
- Como é que você consegue viver assim? Viajar sem rumo, sem a certeza de um pouso certo na próxima noite? E se a gente não tivesse passado por aqui? 
- Não entendo, você tem essa certeza? Sabe exatamente o que vai acontecer depois da próxima curva da estrada? Certezas assim são falsas certezas. Elas servem para nos reconfortar, nos dando uma falsa impressão de segurança. Pior ainda, também servem como desculpas para nos conformarmos com o dia-a-dia, deixando os sonhos para trás.

Me calei com a resposta e ficamos todos em silêncio até a chegada na cidade. Ao pararmos o carro ele agradeceu mais uma vez e apertou a nossas mão desejando boa sorte. Dobrou a primeira esquina e desapareceu, deixando estranha impressão de que nunca estivera lá.
[]s
Jack DelaVega