segunda-feira, 31 de março de 2008

Pequenas Criaturas

Edgar, o Delegador:
Edgar era liso. Um verdadeiro bagre, como costumavam chamar os colegas. Descobriu, ainda na escola, o seu talento inato para a fina arte da delegação. Delegava tão bem que raramente tinha alguma coisa o que fazer. Mais do que isso, dispunha de um verdadeiro escudo defletor, uma armadura de Teflon que fazia com que as tarefas fossem imediatamente ricocheteadas para quem quer que estivesse ao seu redor. Não foi à toa que logo virou gerente.
A coisa funcionava mais ou menos assim.
- Edgar, você pode preencher esse formulário para mim? É do pessoal da sua área.
- Hmm, claro que posso, deixa eu ver.
- Ah, mas esse cara está trabalhando com o Arthur agora. E esse outro está de férias. Faz o seguinte, quem sabe você pede pro Arthur preencher, já que tem o pessoal dele, e de quebra ele pode passar o formulário para alguém do meu time que estiver na lista.
Normalmente as vítimas nem percebiam o truque, mas mesmo quem notava pouco podia fazer, na melhor das hipóteses Edgar delegaria para outro desafortunado. Mas mistério mesmo é saber o que ele fazia com o tempo que lhe sobrava. Dizem as más línguas que era dono de uma empresa, de terceirização, é claro.

Laerte, o Inerte:
Depois de mais de quinze anos no mesmo emprego, na mesma posição, Laerte não se abalava com nada. Havia aprendido a sobreviver no ambiente corporativo. As más línguas o chamavam de dinossauro, incapaz de evoluir, mas ele preferia se definir como um sobrevivente. Depois de várias demissões e reorganizações da empresa, ainda estava lá. Não tinham coragem de demiti-lo. É verdade que fazia pouco, mas seu pouco era vital para companhia. Qualquer problema com o sistema antigo era com ele, e sem o sistema antigo a empresa perdia dinheiro. Estavam reféns na mão de Laerte. Bem que tentaram, não uma, mas duas vezes, colocar alguém do lado dele para aprender o trabalho. Mas ele não era bobo. Não só evitou qualquer assistência aos novos colegas, sob a desculpa de que estava muito atarefado para ensinar alguém, como, inclusive, sabotou as tentativas de aprendizado, provendo informações inconsistentes sempre que possível. Ora bolas, não se sobrevive tanto tempo na mesma posição sendo ingênuo.
Naquela tarde específica decidiu não voltar para trabalhar, o almoço não havia lhe caído bem. Mas esses são os privilégios de ser "patrimônio da empresa".

Nestor, o Negador:
Nestor estava em êxtase. Mais uma solicitação negada, acabara de ganhar o dia. Nestor havia se encontrado em seu novo emprego. Era responsável por aprovar e rejeitar as solicitações de compra dos funcionários. Aprovar qualquer um aprova, mas para rejeitar, isso sim, é necessário um verdadeiro talento. O mais divertido é que sua aprovação, como Assistente de Compras, era a última da cadeia. Mesmo depois de Gerentes e Diretores terem aprovado, ele ainda podia negar o pedido. E assim ele ia.
Post-it , negados. Para que se precisa de Post-It nessa empresa, temos papel, por enquanto. Headsets, negados. Graças à deus nascemos com duas mãos, será que as pessoas não podem segurar o telefone com uma, e usar o teclado com a outra? Além do mais, sem headset as ligações provavelmente ficarão mais curtas, economizamos assim em telefone também.
Mesmo quando as solicitações pareciam razoáveis, havia ainda o recurso do processo. A compra deve ser efetuava em um prazo máximo de dois dias depois da aprovação, caso contrário expira. Você colocou o número de série do produto? Sem numero de série vou ter que rejeitar, é o que está escrito na política de compras. Hoje é dia de lua cheia, não aprovamos solicitações nesses dias, dá azar.
Que maravilha de emprego, pensou, antes de carimbar mais uma rejeição, e eles ainda me pagam para isso.

[]s
Jack DelaVega