segunda-feira, 10 de março de 2008

Você S.A.

Júlio estava na frente do seu novo chefe, e não sabia o que pensar. Era seu sexto chefe em um período de dezoito meses. Durante esse tempo foi de chefes bons para chefes razoáveis, para chefes medíocres mas bem-intencionados, para competentes porém mal-intencionados. Faltava apenas um chefe medíocre e mal-intencionado no seu álbum de figurinhas corporativas. Depois de tudo isso não sabia mais em que acreditar, em quem acreditar. Quando olhava no espelho era fácil identificar os cabelos grisalhos próximos a têmpora. Gostava de brincar com sua esposa dizendo que isso era culpa dela, mas no fundo sabia que o último ano de trabalho havia sido o principal responsável. Os eventos do último ano o haviam transformado e causado feridas profissionais talvez profundas demais para serem superadas. Ainda que possuísse uma atitude positiva perante a vida, encarando mesmo as fases difíceis como experiências valiosas, duas coisas o marcaram demais nesse período.

Havia deixado de acreditar. Logo ele que sempre se considerou um believer, alguém que tende a acreditar no melhor das pessoas e instituições. Precisava acreditar no que estava fazendo, na sua empresa, no seu chefe. Essa era uma das forças que o movia para frente. E, pior ainda, havia deixado de se importar. Isso é fatal para qualquer um que se diz, para usar um termo da moda do RH, Colaborador de qualquer empresa. A indiferença é o pior dos sentimentos que se pode ter por algo ou alguém. Deixar de se importar é como deixar de sentir, é ver coisas erradas acontecendo ao seu lado e não esboçar reação.

Mas no fundo, bem no fundo, a sua natureza ainda persistia. A natureza de conceder o benefício da dúvida, e, apesar de tudo que viveu e sofreu, acreditar que o futuro podia ser diferente. Foi com essa perspectiva que encarou sua primeira reunião com o novo Diretor. De peito aberto, a despeito do passado. O fato do Diretor ser um técnico como Júlio certamente contribuía para o novo cenário, não que isso fosse um cheque em branco de competência, mas pelo menos acreditava que os técnicos que já haviam sofrido as dores do time eram mais capacitados a entender e ajudar.

A conversa transcorreu tranquila, até que começaram a falar de carreira. Foi então que o chefe disparou.
- Você já pensou no que quer fazer quando sair da nossa empresa?
- Como assim?
- Não me entenda mal. Não estou mandando você embora, mas falando abertamente, somos profissionais de mercado. A nossa empresa nos trata como um negócio. Enquanto estamos dando lucro somos bem vistos. Mas no momento que deixarmos de ser produtivos, nos tornamos peças substituíveis. Isso vale para qualquer um de nós. Nossa carreira deve ser encarada exatamente da mesma maneira, sem relação afetiva com a empresa.
- Não sei se entendi exatamente onde você quer chegar. - Respondeu Júlio.
- Meu ponto é que quero que você fique trabalhando com a gente enquanto a relação for lucrativa para você também. Nossa carreira tem que ser gerenciada como uma empresa. Enquanto o seu emprego atual estiver lhe dando "lucro", vale a pena ficar, caso contrário é hora de ir adiante. E veja bem, lucro não é apenas salário. Lucro é reconhecimento, potencial de crescimento, um ambiente saudável para se trabalhar. Tudo isso faz parte do pacote.
- Entendo, mas o que isso tem a ver com deixar a empresa?
- Uma das minhas funções é ajudar meu time a se desenvolver e ajuda bastante se eu souber onde eles querem chegar. Mesmo que seja fora daqui. Quero manter o meu time assim, jogando limpo.

Júlio saiu da reunião melhor do que entrou. Podia até ser demagogia, mas gostou do que ouviu e valorizou a franqueza do novo chefe. Talvez ainda pudesse acreditar, quem sabe as feridas não eram tão profundas assim.

[]s
Jack DelaVega