domingo, 10 de abril de 2011

Revolução Industrial 2.0?

Você já ouviu falar da Foxconn? Não? Deixe-me então fazer uma pergunta diferente. Você já ouviu falar do Mac Mini, do iPod, do iPad, do PlayStation 2 e 3, do XBox 360, do Wii e de placas-mãe da Intel? Pois bem - todos esses produtos são produzidos pela Foxconn. E a variedade de coisas produzidas pela Foxconn não para aí: diversos componentes eletrônicos de empresas como Dell e HP, celulares da Motorola e outras gigantes do mercado internacional também são fabricados lá. Do mercado mundial de 150 bilhões de dólares de eletrônicos, 40% é da Foxconn.

Os números impressionam, mas não é devido a eles que a Foxconn ficou conhecida. Em 2010, 14 funcionários cometeram suicídio. Somado com os outros 3 suicídios dos últimos 5 anos na empresa, tem-se o número tão divulgado de 17 suicídios na Foxconn. Dezessete em meia década não impressiona tanto (a taxa dos adolescentes em países desenvolvidos é mais do que o dobro disso). Além disso, o suicídio é a décima causa de morte no mundo - a cada ano 1 milhão de pessoas suicidam-se e outras 10 a 20 milhões tentam tirar a vida sem sucesso, sendo a principal causa de morte de adolescentes e adultos até 35 anos.

O que impressionou o mundo foram basicamente dois fatores:
  1. Quatorze suicídios apenas em 2010 - um número realmente expressivo;
  2. Os suicídios tinham cunho de protesto pelo número de horas trabalhadas e pela pressão exercida para cumprir turnos maiores do que 60 horas semanais. Além do trabalho monótono (sentado o dia inteiro montando componentes eletrônicos), para ir ao banheiro você precisa levantar a mão e esperar para que alguém substitua o seu lugar na linha de montagem (não parece familiar com o que você leu sobre a revolução industrial?)
Uma auditoria mostrou realmente turnos forçados de mais de 12 horas diárias para alcançar metas irreais e um outro conjunto de fatores como dormir e viver dentro do campus (os funcionários dormem dentro da empresa em quartos coletivos, pois muitos moram longe e não teriam condições de voltar para casa ou mesmo nem possuem casa perto da cidade nem teriam condições de alugar qualquer moradia) e baixos salários como o grande vilão.

Como se não fosse suficientemente triste, para o padrão Chinês a Foxconn é uma das melhores empresas do gênero para se trabalhar, com dormitórios modernos e limpos e planos nem comparáveis com outras fábricas do gênero. Entretanto, os números das outras empresas ainda nem subiu à superfície, pois a pressão para mudança da globalização seria maior ainda.

A Foxconn tentou de tudo para diminuir as taxas de suicídio: instalou redes gigantes em cada ponto possível de suicídio (hoje a fábrica por fora mais parece uma grande rede de pescar peixes) e aumentou os salários em 2011. Infelizmente, a pressão internacional para que os suicídios parassem não está em sincronia com o mercado financeiro, que logo após o aumento de salários, fez as ações despencarem mais uma vez em 16%, pois o aumento de salários fez com que as margens - já bastante curtas - fossem ainda mais reduzidas, com o perigo de deixar a empresa no vermelho.

As redes parece terem dado efeito - não houve mais relatos de suicídio na planta chinesa, mas o aumento salarial teve o efeito oposto. Afinal, o que o mercado quer da empresa então? Que tome ações reais para conter o suicídio ou que coloque "redes" apenas para não assustar mais o consumidor ocidental?

Todo mundo hoje sabe que não há como sustentar 7 bilhões de pessoas vivendo um consumismo parecido com o dos EUA. Nem o planeta tem os recursos naturais para tanto nem há como produzir tanta coisa sem uma mudança radical no processo fabril. Países em desenvolvimento, entretanto, estão começando a consumir mais e mais, o que forçará que mais Foxconn's sejam criadas. Será esse o modelo da nova revolução industrial? Pessoas com turnos de trabalho insalubres a ponto de cometer suicídio e o mercado financeiro pressinando salários cada vez mais baixos em fábricas ao redor do mundo? Se não for esse o modelo, como conseguiremos manter o aumento estratosférico do consumismo mundial? A robotização não é trivial e o horizonte não é otimista nesse sentido - o ser-humano ainda parece ser uma peça-chave não tão fácil de ser substituída em diversos setores fabris.

Olhando e falando com diversos colegas, sinto que a carga de trabalho aumenta ano após ano - não só aqui no Brasil, mas em países como Índia, Inglaterra e Estados Unidos - onde está a maioria das pessoas com quem conversei sobre o assunto. Nós da Tribo do Mouse, esperamos que seja apenas uma sensação e que o mundo não esteja indo nessa direção. Seria muito triste regredir nesse sentido. O sangue dos 17 trabalhadores da Foxconn que tiraram suas próprias vidas está em cada um de nós - que consumimos e queremos aparelhos cada vez mais baratos para saciar nossa sede de gadgets e aparelhos não tão essenciais para a nossa sobrevivência. A consciência do estrago do consumismo exacerbado tem que estar em cada gerente, em cada diretor, em cada ser-humano.

Infelizmento, o caminho é difícil e contraditório. Gerentes de venda são pagos para incentivar o consumo irracional. As metas de vendas às vezes exigem que os turnos de trabalhos aumentem de tempos em tempos, ano após ano. Gerentes de produção, talvez não tão diretamente, vivem um conflito muito parecido, pois são forçados a atingir metas de produção para atender a demanda. Gerentes de TI, ainda mais indiretamente, vivem o mesmo conflito. Se pararmos para analisar, a grande maioria do setor privado vive um sentimento barroco muito parecido nesse sentido. Onde isso irá parar? E qual a solução? Se a Foxconn aumentar mais ainda os salários ou contratar muito mais pessoas, pode entrar num caminho sem volta, que levará a empresa à falência pois gigantes como a Apple e a Motorola mudarão o contrato da fabricação dos iPods e iPads, por exemplo, para outras empresas que mantenham o mesmo preço baixo. Essas novas empresas, por sua vez, irão crescer, tornar-se outra gigante como a Foxconn e ter os mesmos problemas no futuro, reiniciando o ciclo mais uma vez. Aliás se a Foxconn falir, uma coisa é certa: 450 mil pessoas desempregadas certamente irão se suicidar em muito maior escala do que os míseros 17 que já perderam suas vidas.

O balanço não é fácil, mas todo líder tem que ter essa consciência, não somente com sua familia, mas com sua equipe: o ser-humano deve estar sempre em primeiro lugar, seja qual for a área que você atuar. Os fins nunca justificam os meios.

Se sempre tomarmos a decisão pensando no melhor para todos, sempre existe uma solução. O problema é que ela pode ser mais radical e trágica do que se pensa em um primeiro momento, mas verdadeiros líderes estão aí exatamente para isso: tomar decisões que ninguém tem coragem de tomar.

Dr. Zambol
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