quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Nau dos Condenados

Um a um eles iam sendo chamados à sala do chefe. E um a um saíam cabisbaixos, com um olhar perdido. A sala que abrigava hoje o departamento tinha umas sessenta pessoas divididas em cubos ou baias, dependendo da função e status do sujeito. Até o presente momento, 15hs, mais de vinte pessoas já haviam visitado a sala do chefe. Ao deixar o recinto o ritual era praticamente o mesmo. Recebiam uma caixa para guardar seus pertences e eram escoltados até seu local de trabalho. Uns sentavam por alguns minutos sem saber exatamente o que fazer, outros exibiam lágrimas nos olhos. Os mais fortes levantam a cabeça e seguiam se despedindo dos colegas, desajeitados com a caixa embaixo do braço.

Wagner observava todo o movimento da sua baia, estrategicamente posicionada a poucos metros da mesa do chefe. A essa altura ninguém mais trabalhava. A notícia, divulgada pela rádio peão, era de que todas as demissões seriam feitas ainda no dia de hoje. Wagner olhou novamente o relógio, pouco mais de duas horas, pensou. Já havia sobrevivido até aqui, faltava apenas mais um pouco.

O chefe saiu da sala e foi até o cafezinho. Serviu oito gotas de adoçante na caneca e encheu de café. Mexeu. Provou. Finalmente, levantou o olhar. 
Prá cá não, pra cá não, pra cá não...
Começou a caminhar em direção à baia de Wagner, que ficou imóvel. Lembrou da técnica de sobrevivência com Ursos, de pouca valia em ambientes urbanos. Fingiu de morto. Pelo canto dos  olhos viu o chefe passar em direção ao fundo da sala enquanto um filete de suor lhe caía da testa. Finalmente o chefe falou:
- Roberto? Podemos conversar?

Essa passou raspando. Roberto, por sua vez, seguiu o chefe pelo corredor até a sala, com o olhar de um condenado. Dead Man Walking.

Ser demitido não é fácil. Ser demitido em um cenário de demissão em massa, pior ainda. Nesse caso, por mais que se racionalize, sempre paira a sensação de que não foi uma decisão justa. 
- Por que logo eu? Se seriam demitidas 20 pessoas, por que eu?
Boas empresas mantêm planos de contingência com as ações a serem tomadas em momentos de crise. Normalmente, a última delas é a demissão. Quando a demissão é necessária começa o trabalho do corpo gerencial nas famosas "listas". Estas costumam levar em consideração a criticidade de cada posição, o salário e o desempenho da pessoa que a exerce, não necessariamente nessa ordem. Não é um processo bonito e não existe jeito fácil se executar. Um gestor afirma que não sofre ao fazê-lo, ou está mentindo ou está na função errada. 

Às 16hs e 58min Wagner se dirigiu para a porta. Infelizmente, o único caminho para a liberdade passava em frente da sala do chefe. Enquanto se aproximava para passar o crachá no ponto sentiu a mão no ombro, seguida da voz do chefe.
- Wagner?
Virou quase em pânico, era a crônica de uma morte anunciada.
- Você esqueceu o casaco. Te vejo amanhã.

[]s
Jack DelaVega