sexta-feira, 27 de junho de 2008

Mais Uma sobre Democracia - ou "Pede pra sair!"

Duas semanas atrás, conversamos um pouco sobre a influência crescente das grandes empresas e a consequente queda da democracia. Pois bem, essa semana algumas conversas me proporcionaram mais um exemplo. Segue aqui uma historinha para se pensar no final-de-semana então.

"Mais um belo dia de trabalho na Bogus Inc., aquela multinacional gigantesca, com milhares de empregados ao redor do mundo. Empresinha importante aquela, com faturamento anual maior do que o PIB de muitos países.

De repente, um e-mail do RH para todos os funcionários anuncia a mais nova medida: para fomentar um ambiente de trabalho limpo e saudável, a partir do mês que vem será proibido fumar em todas as dependências da empresa (incluindo escritórios, entornos, estacionamentos, etc).

Paulo lê o email e acha muito bom. Ele não fuma e odeia o cheiro do cigarro. Mais ainda, não consegue conceber como alguém com razoável inteligência pode ter um hábito tão estúpido. Ele não aceita a versão do vício e particularmente acredita que quem usa a desculpa não passa de um ser humano fraco que não tem capacidade nem mesmo de controlar uma mera necessidade física ou mental passageira. Paulo acha a medida um grande passo da empresa no sentido de promover a saúde dos funcionários.

José também vê a medida com bons olhos. Ele é um fumante inveterado há mais de 15 anos, mas envergonha-se disso e enxerga nessa medida uma força a mais para tentar parar. Ainda mais agora que seu primeiro filho chegou. 'Vai ser difícil, mas é a coisa certa a fazer', pensa ele.

Maria é uma liberal convicta. Ela lê o email e começa imediatamente a comentar a notícia com todos ao redor. 'Viram que absurdo?!' exclama ela. Para Maria aquilo é uma ameaça aos direitos mais básicos de um cidadão em uma sociedade dita democrática. Onde fica a liberdade de escolha? Se uma pessoa decide por algo que pode até fazer mal a si mesmo, mas não incomoda os outros, como fumar no intervalo do almoço no estacionamento da empresa, ao ar livre, o problema é dela. Que direito a empresa tem em definir que aquilo é proibido ou não? Qual a próxima medida? Ameaçar os gordos dizendo que a partir do ano que vem serão proibidas pessoas com peso acima do considerado 'saudável'? Proibir fast-food e pizza nos restaurantes corporativos? E a bebida alcóolica? Mais um detalhe: Maria é fumante.

Os dias passam, e os protestos, embora intensos nos primeiros dias subsequentes ao anúncio, lentamente diminuem até praticamente se extinguirem."


Parece que, assim como na relação cidadão-governo, na relação empregado-empresa esses momentos polêmicos lentamente se esvaziam e tudo volta ao normal. Muito provavelmente porque não há diálogo entre essas partes. Se o cidadão reclama, o governo normalmente não responde e o assunto naturalmente morre. Afinal quem responde em nome do governo? São tantos e por isso acaba sendo nenhum. Da mesma forma, se o empregado reclama, a empresa normalmente não responde, e tudo vira história. A saída reside na escolha pessoal de cada um. Já dizia Paulo Francis: "se não aguenta o calor, saia da cozinha". Ou como o Jack disse no seu último post, tem que acreditar, do contrário é melhor abandonar o barco.

Mas em tempo de crise global, quem está preparado para levantar o braço e pedir pra sair?

Reggie, the Engineer.
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