quarta-feira, 7 de maio de 2008

O Dia Que Roberto Chutou o Balde

Roberto era o gerente de BI (Business Inteligence) e estava em apuros. Sérios apuros. A implantação do sistema ainda estava longe, mesmo estando atrasada 2 meses.

Agora estava indo enfrentar a diretoria. Mas estava decidido: iria falar a verdade, nem que aquele fosse seu último dia de trabalho.

Ele entrou na sala e sentou-se no local vago para apresentações, onde um cabo ligado a um projetor aguardava ansiosamente por um notebook. Sentou-se calmamente e nem tirou o computador de sua mala. A diretoria lhe fitava em silêncio.

Antes que começasse a ser massacrado, iniciou o discurso que havia ensaiado no dia anterior.

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Boa tarde senhores. Gostaria de, antes de apresentar qualquer status sobre o projeto atual, apresentar o panorama ao qual estamos inseridos.

A Mesh Corp é uma empresa formada por 5 aquisições, cada qual comandada por um vice-presidente, todos presentes nessa sala. Todas as 5 unidades empresariais compartilham um portifólio único de clientes e concorrem em alguns serviços, entre eles a produção de alguns sub-produtos essencias para a produção de remédios.

Cada um dos vice-presidentes nega-se a discutir processos integrados, estruturas de suporte únicas ou o alinhamento das estruturas de pagamento, mas reclamam em alto e bom tom a todos os seus funcionários o quão ineficiente a área de TI é em não conseguir implantar um BI em tempo hábil.

Senhores, não estamos enfrentando processo ineficiente, arquitetura velha ou recursos despreparados. Isso são apenas sintomas que as 5 unidades de negócios não se conversam, concorrem entre si e não possuem uma governança capaz de dar as bases para qualquer sistema desse tipo. Mesmo após diversas discussões entre a minha equipe e o presidente da companhia, a principal decisão tomada foi realizar uma re-organização top-down com o objetivo de modernizar a empresa e de forçar a participação de todos os empregados no processo de governança.

Pois aqui vão, finalmente agora perante a presidência e todos VPs, as maiores dificuldades que já enfrentei nessa companhia durante esse projeto:


  • Depois de insistentemente pedir por processos de melhoria em governança e ouvir repetidamente a frase "foco em governança implica em aumento de burocracia", acabei desistindo do assunto. Mas saibam que as decisões em uma governança colaborativa incluem as pessoas que possuem o poder e a capacidade de decidir. Em organições tradicionais, como a Mesh Corp, o processo de decisão envolve mais ou menos pessoas do que o necessário, muitas camadas e o tempo gasto para se chegar a uma conclusão é muito grande. Portanto, por favor, não se enganem mais dizendo bobagens desse tipo.
  • Gostaria que parassem de falar e de se enganar com re-organizações top-down. Cada re-organização possui um período de vários meses de adaptação e o novo organograma é visto com desdém e repúdio pela massa. Meus caros, organizações são organismos vivos. Portanto, não esperem que a re-organização se reflita nas camadas de baixo sem a troca da cultura - e a cultura cresce e muda independente da vontade dos executivos. Se quisermos um dia ter um sistema de BI, precisamos ter uma mudança de mentalidade, iniciando principalmente por cada um de vocês.
  • A Toyota passou pela segunda vez a GM e hoje é a maior montadora do mundo. Mesmo assim, sempre que alguém fala em Lean na Mesh Corp, vende como a solução de todos os problemas mas fala de forma tão teórica que não consegue nem entender as ações necessárias. Meus caros, a base do sistema Lean é a Melhoria Contínua e o Respeito pelas Pessoas. Se as pessoas não se sentirem seguras para trabalhar, não produzirão nada. E pensar em reduzir o estoque da empresa com um estoque de idéias velhas e mal-formadas dos executivos é uma ironia sem tamanho.
  • Cada setor pensa em si próprio, nunca na empresa como um todo. Quando algum problema surge, a solução sempre é baseada em como o gerente irá beneficiar a si mesmo e ao seu setor. Por isso mesmo, erros são escondidos e não existe uma boa vontade em ajudar o setor vizinho - quem dirá a unidade de negócio vizinha. Isso, meus caros, é cultura top-down. Não é possível nem dados integrados nesse cenário. Quem dirá um sistema com todas as informações da empresa resumidas em um único local...
Se ainda quiserem que eu apresente o status do projeto atual e o plano de ação para que seja possível a conclusão do projeto, estou disposto a fazê-lo com uma condição: aceitem de uma vez por todas os pontos acima e apresentem um plano de ação capaz de mudar o cenário atual.
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Realmente, foi o último dia de trabalho de Roberto.

Dr. Zambol
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