quarta-feira, 28 de maio de 2008

A Inveja e O Fim da Esperança

- Não se preocupe, Sr. Pedro, Dr. Alves já vai recebê-lo.


Pedro estava nervoso - aquela seria uma entrevista incomum. Mas não conseguia se concentrar na entrevista naquela momento. Estava com pensamento fixo em sua carreira, em sua vida. Como tinha parado lá?

Pedro sempre foi um astro em seu mundo. "O mundo é dos espertos", dizia sempre. Com esse pensamento, não media esforços para alcançar o próximo nível. O preço não importava. No fundo, no fundo, era movido pelo fascínio da riqueza e do poder que muitos tinham. Aquele mundo era um sonho para ele.

Mas uma coisa a inveja incrustou em Pedro - o esforço. Aos 25 anos, já havia se tornado gerente de uma empresa multinacional, em São Paulo. Não media esforços para subir na carreira. Se tivesse que trabalhar 14 horas por dia, trabalhava. Se tivesse que passar em cima de alguém para conseguir mérito sobre uma causa que lhe rendesse a promoção, fazia sem hesitar. Na verdade, conseguir mais do que as outras pessoas tornou-se seu hobby, sua obsessão.

Não por menos que, em sua carreira, os fins justificavam os meios. Quando soube que na luta sucessória de seu diretor estava em segundo lugar, pagou 10 mil reais a dois hackers e fez com que, misteriosamente, o gerente que estava melhor colocado acessasse diversas páginas pornôs e enviasse um e-mail com um link anti-semita a seu vice-presidente. O gerente tentou se defender, dizendo que não havia sido ele, mas nada importou. "Você é o dono de suas informações, lamento". Não foi demitido, mas ficou em grande desvantagem em relação a Pedro, que conseguiu sua promoção para diretor.

De forma alguma Pedro era incompetente. Lia muito sobre tudo o que podia. E como sua vida era só trabalho, conseguia muitos resultados positivos.

Mas seu problema na sucessão para vice-presidente foi exatamente seu maior defeito. Passava em cima de tudo e de todos sem nenhum escrúpulo. Sua vida inteira fora assim. Infelizmente para ele, começou a ser desmascarado pela presidência da empresa, que lhe deixou congelado na posição por um tempo e, depois de compravar seus métodos, o demitiu, sumariamente. Sem explicações nem nada. Simplesmente foi posto na rua.

"Pedro, Pedro", escutou ao fundo, quando percebeu que Dr. Alves havia entrado.

- Desculpe, estava imerso em pensamentos.
- Sei como é ruim essa fase, Pedro. Acredite, iremos superar essa fase juntos.

Pedro havia voltado a Porto Alegre, sua terra natal. O problema é que nem ele sabia porque havia chegado naquela situação. Tinha uma vaga idéia: não havia conseguido suportar a dor da derrota pública. Tudo o que sempre deu valor na vida - sua imagem - agora estava destruída. Quando os outros soubessem que estava sem emprego, seria humilhado. Não poderia fazer o discurso de fim de ano e falar dos resultados bons que tinha alcançado. Não poderia provar que foi melhor que o diretor comercial. Na verdade, nem seria convidado para a festa...

- Não sei explicar, Dr. Alves, simplesmente fiquei encurralado, sem saída. Achei que se fizesse o que fiz, ia ser diferente, ia mostrar a minha coragem. Sei que muitas pessoas tentam, e não conseguem por medo, são fracos. Queria mostrar aos outros que, mesmo na derrota, ainda sou corajoso. Ainda tenho mais do que os outros.

- Pedro, lamento. Quero primeiramente acabar com esse tabu. Só no Rio Grande do Sul, a cada 50 minutos uma pessoa tenta o que você fez. E a cada dia, três conseguem. No ano passado, 1074 pessoas foram até o fim - só no Rio Grande do Sul. São estatísticas que ninguém mostra. É a pura realidade. Você tem que se destacar sendo uma pessoa melhor, vivendo.

Pedro olhou com ódio para Alves. Afinal, ele estava ali para lhe ajudar ou o quê? Mas realmente não tinha idéias daqueles números. Sentia-se um lixo maior ainda. Perdera todos os amigos no curso de sua vida. Agora estava só. Apenas sua mãe lhe visitava ainda. E seu último esforço em nada adiantou para melhorar sua imagem.

Pedro viveu sua vida inteira focado na inveja. Não iria conseguir entender os valores reais da vida. Eu sabia disso. Pedro sabia disso. Alves sabia disso. Os valores distorcidos faziam parte dele. Ele era aquela pessoa. Sem aqueles valores não era nada.

Quando o ódio passou, Pedro fitou o infinito. Tinha perdido a esperança nesse mundo. Na verdade, tinha perdido o maior de todos os bens que o homem possui: a esperança de ter esperança.

Se até no suicídio tinha fracassado, se nem nisso conseguia ser diferente dos outros, como ia mostrar ao vice-presidente que ainda estava por cima de tudo?

Dr. Zambol
--

Leia Mais: