segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Mundos e Fundos - Parte Dois

Parte 1 disponível em http://www.tribodomouse.com.br/2007/11/mundos-e-fundos.html

Da sua sala, Ícaro, um dos sócios da empresa, podia sentir a agitação do escritório. Considerava esse projeto seu filho, sua maior realização na companhia. Conseguiram vencer uma concorrência acirrada ganhando por meia dúzia de reais, o que deixou a margem de lucro lá embaixo. Mas como o cliente era grande, bastava que garantissem um bom trabalho que certamente outros projetos viriam. Daí a importância na execução, tudo deveria sair perfeito. Agora, faltando pouco para a instalação, as coisas pareciam estar correndo bem. Foi uma boa idéia contratar Daniel como gerente de projeto para dar uma organizada na casa. O cliente ainda estava reclamando de alguns requisitos, mas segundo Daniel isso era coisa pouca e não iria impactar a qualidade da entrega.
Depois era correr para galera. Cancun já não parecia mais tão longe.

Carlos não estava tranquilo, mas já viveu momentos piores. Faltando duas semanas para a entrega as coisas estavam correndo bem com o projeto, iriam entregar um produto de qualidade. Exceto por aquela maldita funcionalidade de última hora. Quanto a isso Carlos ainda não estava seguro da decisão tomada.
Sua conversa com Raul, logo após a discussão com Daniel ainda estava na cabeça. Naquele dia, logo que retornou a sua mesa, Raul já estava lá esperando.
- E aí? Como foi?
- O cara é um idiota, disso eu já tenho certeza.
- Nada de novo até aí. - Falou Raul como sarcasmo habitual.
- Mas ele tem um ponto. Qualquer atraso na entrega implica em impacto para o nosso bônus.
- Tudo bem, mas foi ratiada do Comercial, eles é que não definiram o escopo direito.
- Concordo contigo, porém, tu acha que se a gente entrar em uma negociação contratual vamos receber o bônus?
- OK, então qual é a alternativa?
- Vamos fazer algo meia boca, só para cumprir tabela. O Daniel espera ganhar tempo com isso, jogando a bola para mão do Cliente. Ele acredita que eles vão levar umas semanas para testar tudo, até lá a gente libera um "patch" resolvendo o problema.
- Vamos fazer uma "Perna de Anão" então? - Raul adorava essa expressão, por mais politicamente incorreta que fosse.
- Exatamente. Vamos dar uma de "João sem braço", "Se Fazer de Louco", e rezar para tudo dar certo.
- Não concordo muito com essa abordagem, mas tu que manda. You're the boss!
Carlos não gostava do que estava fazendo, mas agora não tinha mais volta. Só mais algumas semanas para ver o resultado. Queria acreditar no sucesso do plano de Daniel, porém quanto mais pensava, menos esperança tinha de que iriam se dar bem no final.

Daniel por sua vez, estava cada vez mais afastado de Carlos e da equipe de projeto. Sabia que havia começado com o pé esquerdo. Seu desempenho na reunião inicial, prometendo mundos e fundos para o cliente sem alinhar antes com a equipe, negava alguns dos seus princípios. Lembrou dos seus tempos de desenvolvedor e de quanto repudiava gerentes que faziam isso, e sentiu um pouco de vergonha. Porém ele também estava em uma situação delicada, sua contratação tinha sido condicionada à resultados, o que se traduzia em: Sanar os problemas do projeto e Assegurar o pagamento do bônus. Havia feito com contrato de risco com seus empregadores, e estava disposto a lançar mão de todos os recursos disponíveis para cumpri-lo.
Apesar de eticamente questionável, seu plano era prática comum na indústria de software. Eu te engano que defino os requisitos, tu me engana que vai me entregar no prazo, e assim a gente vai. Surpresa mesmo é quando um projeto é entregue no prazo, escopo e custos planejados. Acreditava que teria boas chances de sucesso com ele, era só o time de projeto fazer a sua parte e deixar a política e o trabalho sujo com ele. Colocou os fones de ouvido e começou a revisar o cronograma de instalação.
No iPod tocava "Duas Tribos" da Legião, e parecia que o Renato cantava para ele o refrão:
"É o bem contra o mal,
E você de que lado está?"

Conclui na próxima Segunda.
[]s
Jack DelaVega