segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Mundos e Fundos

Trabalhar em consultoria não é fácil, prestação de serviços de TI é trabalho ingrato como poucos. Normalmente o que acontece é que quem vende o projeto promete, invariavelmente, mais do quem executa é capaz de entregar. No final a pressão acaba sempre no time de projeto, que tem que virar noites, fins de semana e feriados para executar o impossível. Isso quando não trazem um salvador da pátria para resolver o problema. Foi exatamente o que aconteceu no último emprego de Carlos. O Comercial vendeu um projeto com custo e cronograma apertados e se "esqueceu" de fazer uma definição clara do que seria entregue. Faltando um mês para a entrega o Cliente se deu conta que não iria receber uma funcionalidade crítica, subiu nas tamancas e convocou uma reunião urgente convidando até o Papa.

De um lado da linha telefônica estão Carlos, o líder técnico do projeto, responsável por implementar a mágica vendida pelo Comercial, seu colega Raul, o arquiteto da solução, e Daniel, o gerente de projetos trazido as pressas para organizar a bagunça e garantir a entrega. Do outro lado o Cliente já está com a voz alterada.
- Bom, vocês tem que entender que essa funcionalidade é crítica para a gente, sem ela 80% dos ganhos com a implantação desse novo sistema vão por água abaixo.
Carlos toma a dianteira para explicar a situação:
- Entendemos isso. Nosso ponto é que não temos condições de entregar o sistema com esse requisito na data planejada. Não vem ao caso encontrar culpados agora, mas o fato é que isso não fazia parte do nosso escopo original.

Na janela do IM Raul bipava Carlos:
- Vai ser casca implementar isso, precisamos de uma re-arquitetura total. Duas semanas de trabalho, chutando por baixo.

Carlos completava o seu raciocínio no telefone:
- Como eu estava dizendo, entendemos a criticidade, mas precisamos de uma extensão no prazo. Vamos precisar de pelo menos mais um mês.

IM (Raul -> Carlos): - Boa, em um mês a gente entrega com certeza, isso nos dá algum tempo caso alguma coisa dê errado.

Mas a resposta do cliente não foi animadora.
- Isso é simplesmente inaceitável. Todo o nosso planejamento de vendas para o próximo trimestre está baseado no fato de que teremos o novo sistema no ar em trinta dias. Vamos perder muito dinheiro caso isso não aconteça.

Foi então que Daniel falou pela primeira vez:
- Vamos entregar sim, como parte do acerto original. Em 30 dias vocês terão exatamente o que precisam. Vou trabalhar com o nosso time para fazer isso acontecer. Podem ficar tranquilos.

IM (Raul -> Carlos): O que?
IM (Carlos -> Raul): O que? Fazer acontecer? Esse cara tá louco!!!

Depois de encerrada a reunião, Carlos foi direto na mesa de Daniel, que parecia extremamente ocupado com seus e-mails.
- Preciso Falar contigo.
Daniel nem levantou os olhos do monitor para encarar Carlos.
- Depois, agora não posso.
- Agora!

Pegaram uma sala de reunião. Carlos já estava bufando, sem fazer a melhor questão de disfarçar o que estava sentindo.
- Qual parte do "Não temos condições de entregar o sistema com esse requisito na data planejada" tu não entendeu?
- Ah, - Desdenhou Daniel. - Vocês de desenvolvimento são sempre assim. Nunca dá, nunca dá, mas no final acaba sempre dando. É só dar um apertada no time aqui e ali, trabalhar mais uns dois fins de semana e tu vai ver que terminamos esse negócio rindo.

Carlos não acreditou que estava ouvindo aquilo. Ele já havia trabalhado com gente incompetente antes, mas Daniel ganhava de goleada.
- Vem cá tchê. Em que mundo tu vive? Tu tem noção do que está falando? Estamos discutindo uma mudança radical no nosso Design. Não tem como fazer no prazo estabelecido. Além do mais já temos trabalho planejado para todos os fins de semana até a entrega.
Mas Daniel estava impassível.
- Vamos aplicar o método NASCO e tudo vai ficar bem.
- NASCO?
- Isso, vamos fazer alguma coisa "Nas Coxas", entregamos uma solução meia boca para eles, eles vão levar pelo menos umas duas semanas para testar tudo, enquanto isso a gente termina como tem que ser.
- Cara, não sei de onde tu vem, mas para mim já é clara a maneira que tu trabalha. E esse definitivamente não é o meu estilo.
- Tu tem alguma sugestão melhor? Vai querer perder o bônus por atraso na entrega? Faz o que eu tô te falando que no final tudo vai dar certo.

Carlos saiu da sala perplexo com as palavras de Daniel, afinal também estava contando com o dinheiro do bônus. Lembrou do seu herói, o João do Santo Cristo:
"Essas palavras vão entrar no coração.., Eu vou sofrer as consequências como um cão"

Continua...

[]s
Jack DelaVega