terça-feira, 27 de abril de 2010

Liderança, Foco no Cliente, e o Jurídico


Foi difícil, mas estou de volta.

Depois de algumas semanas de férias, exatamente quando planejava voltar para casa, acontece o tal problema do vulcão Islandês. Se já era pequeno o número de pessoas que sabia apontar a Islândia no mapa, muito menos eram os que sabiam que existiam vulcões por lá. A verdade foi que o bicho causou uma das maiores e mais esquisitas crises aéreas que se tem notícia. Mas mesmo de uma tragédia dessas, que causou dor de cabeça e prejuízo para um bocado de gente, dá para se tirar algumas lições. Quer ver?

No domingo, dia 18 de abril, eu embarquei de Porto Alegre para o Rio de Janeiro, sabendo que meu vôo para Paris havia sido cancelado. Ali, no balcão da Air France, eu fui avisado de que os vôos do dia seguinte também estavam cancelados, não me restando outra opção a não ser dormir na cidade-maravilhosa. Mais ou menos ao mesmo tempo, um Boeing 747 decolava de Londres, mesmo com o fechamento do espaço aéreo comercial. O avião era da British Airways, e seu objetivo era sobrevoar a Cornuália, o País de Gales e o Mar Irlandês - regiões cobertas pela nuvem de cinza expelida pelo vulcão. A bordo do avião apenas uma pequena tripulação composta de experientes pilotos. Olhando curioso por sobre os ombros dos pilotos estava a bordo também Willie Walsh, CEO da British Airways. Quieto, ele acompanhou o desenrolar do vôo de teste com extrema atenção, até que o mesmo pousou com segurança em Cardiff umas 3 horas depois, seguindo direto para o galpão de manutenção da empresa. Começava o movimento das companhias aéreas pela re-abertura do espaço aéreo comercial.

Na terça-feira, depois de acompanhar as notícias de que a situação havia melhorado significativamente nos aeroportos Europeus, rumei novamente para o aeroporto do Rio. Eu e mais 3.500 passageiros. A notícia era que a Air France voaria naquela tarde, e ninguém queria ficar de fora. Fui informado que, por orientação do Departamento Jurídico da empresa, os passageiros daquele dia teriam prioridade sobre os que estavam esperando por um vôo desde quinta-feira. Perguntei qual o racional para tal decisão, e me informaram que "os contratos ainda em vigência deveriam ser cumpridos". Quem me disse isso foi a Cristina, supervisora de atendimento ao cliente, que estava lá no meio do saguão, incansável, escutando e conversando com praticamente todos os passageiros. Graças a Deus ainda temos, de vez em quando, a Cristina.

Logo percebi que o processo de check-in não estava exatamente seguindo a direção do Departamento Jurídico. Os atendentes faziam uma triagem informal. Havia uma lista de espera onde o motivo da viagem e o número de dias / condições de espera eram anotados. Passageiros do dia, em viagem de férias, eram fortemente (fortemente mesmo) aconselhados a não viajar. "Como você sabe se vai chegar ao seu destino?" perguntavam os atendentes. "Você tem dinheiro para pagar hospedagem em euros se ficar preso por lá?", completavam. Aos poucos, o pessoal com bom-senso foi desistindo. E assentos foram liberados para serem ocupados por famílias que há 3 dias zanzavam pelo Rio de Janeiro, loucas para irem embora para casa. Acabamos partindo mais de 2 horas depois do previsto. Tudo porque aqueles atendentes, liderados pela Cristina, fizeram de tudo para ocupar cada um dos 416 assentos disponíveis, e agradar o maior número de clientes possível. Obrigado Cristina.

Uma crise mostra de fato a cara das pessoas e das empresas. Pessoas como Willie Walsh, mais do que um CEO, um líder de fato. Há quem diga que ele arriscou a vida planejando e embarcando naquele vôo teste. Mas quando o líder demonstra esse tipo de comprometimento com o objetivo, todos embarcam atrás. Não tenho dúvida que aqueles pilotos voariam com ele até onde fôsse necessário. Willie foi responsável pelo início do final da crise aérea. Enquanto muitos falavam, ele foi lá e fez. Cristina liderou o seu time de atendimento ao cliente em uma situação para muitos insustentável. Cerca de três mil pessoas na porta do seu balcão, reclamando de maneira ostensiva sobre algo que você nem tem culpa não é nada agradável. Mas Cristina não perdeu a calma, foi extremamente bem-educada e encaminhou a situação da melhor maneira possível. Ela tinha a responsabilidade de gerar a melhor lista de passageiros para aquele vôo. E assim ela fez. Não usando princípios comerciais - a despeito da direção da companhia, mas sim princípios válidos em situação emergencial, como era o caso.

Liderança e foco no cliente. Pelo menos os meus 4 dias de espera para chegar a Dublin serviram para me lembrar desses dois pilares fundamentais. Ah, e também serviu para lembrar que o Departamento Jurídico raramente serve para alguma coisa. Como bem diria o Pampeador de Projetos: "beleza não me impressiona; conheço muito campo feio que dá boa aguada...".

Reggie, the Engineer (João Reginatto).
--