segunda-feira, 1 de setembro de 2008

O Dobro ou Nada

Todo ano era a mesma rotina. Chegava o mês de Janeiro e era hora de cada um escrever o seu plano de desempenho. Em linhas gerais, esse plano servia para criar alinhamento entre os objetivos estratégicos da empresa e as ações de cada indivíduo. Ao final do ano, os resultados da companhia eram comparados com os resultados pessoais. As maiores fatias do bônus eram destinadas para aqueles que excediam o planejado. O mesmo valia para as promoções. Quem não atingisse o plano sabia que, mais cedo ou mais tarde, seria "promovido ao mercado".

Ricardo já era escolado naquele ritual. Conhecia como ninguém o sistema, e gostava dele assim. Verdade seja dita, o sistema sempre foi generoso com ele. Desde o seu início na empresa Ricardo sempre superou o planejado, recebendo vários salários extra nos fins de ano, e seguidas promoções. Com o tempo, ele desenvolveu um sistema quase infalível para criação de um plano vencedor. Pensava em metas difíceis de serem alcançadas e as multiplicava por dois. Era essa a sua maneira de criar desafios e se colocar à frente dos outros. Claro que a realização dos resultados planejados não era fácil, precisava dedicar muito do seu tempo para empresa. Trabalhar longas horas e fins de semana a dentro. Gostava de pensar que não estava deixando a família em segundo plano, que na verdade ele estava fazendo esse trabalho todo por eles. Mais dinheiro servia para lhes dar uma vida melhor, um bom colégio para o Marquinho, um bom lugar para se morar, carro do ano, e por aí vai.

Porém, naquela manhã quente de Janeiro algo alteraria radicalmente seus planos. Quando pegou o notebook da mochila encontrou um papel que não era seu. Rapidamente identificou a letra do filho no bilhete.

" Papai:
Eu e a mamãe fizemos uma lista das coisas que queremos fazer contigo nesse ano. Sabemos que você é muito ocupado, mas vamos ver se a gente consegue fazer pelo menos a metade. Aqui vai:
- Jogar futebol na lama
- Ficar um fim de semana em um lugar que não pegue celular
- Pescar num rio ou lagoa
- Jantar juntos pelo menos duas vezes por semana, e almoçar uma vez também
- Aprender a atirar com a arma de pressão
- Ir ao cinema, os três juntos
- Acampar no pátio de casa (com lanterna e tudo)
- Não ligar o computador no domingo ao menos uma vez por mês
- Fazer uma pipa e soltar na praia
Um beijo,
Marquinho e Mamãe. "

Já com o nó na garganta, Ricardo colocou com cuidado o papel no bolso. Passou alguns minutos sem saber exatamente o que fazer, sem saber o que pensar, apenas com aquele aperto no peito. Mas então, a solução lhe ocorreu. Estava claro, só havia uma coisa a ser feita. No seu plano de desempenho para o ano colocou metas iguais as dos outros funcionários.
Depois disso, pegou do bolso a lista do filho e dobrou a meta para todos os itens.

[]s
Jack DelaVega