sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Proposta Irrecusável


“Arnaldo, vamos com calma” falou Bolívar, dirigindo-se ao centro da sala. Ele percebeu que a situação não era boa e teria que agir para não enfrentar um motim. Precisava tirar a razão de Arnaldo para diminuir a clara influência que ele estava impondo sobre os outros membros do time. Pensou um pouco e falou:

- Vocês continuem o trabalho. Não faria o menor sentido 17 pessoas se mobilizarem em uma situação dessas. Eu vou ligar para o hospital e ver o que podemos fazer pelo Anderson. Enquanto isso, mantenham o foco em colocar a fábrica de volta no ar. Não quero ninguém fazendo burrada.

Pensamentos voltaram a percorrer a mente das pessoas da sala. A maioria voltou à sua zona de conforto. Realmente, a abordagem do Bolívar parecia ser a mais sensata, não adiantaria nada sair correndo sem nem saber se poderiam mesmo ajudar o Anderson. Voltar ao trabalho era mais fácil.

Mas Arnaldo continuava de sangue quente. Mais uma vez ele estava vendo na sua frente a clássica situação do gerente que de vez em quando corre atrás para solucionar um problema que ele mesmo criou em primeiro lugar. Bolívar havia esfriado os ânimos do time com aquela atitude, mas Arnaldo sabia que o acidente de Anderson era apenas a gota d’água. Ele não aguentava mais aquele gerente que não protegia sua equipe, fazia tudo o que o cliente pedia – no sentido mais negativo da expressão, e vivia afastando a equipe das tarefas mais importantes, elencando prioridades que beneficiavam apenas a ele mesmo. Será que aquelas pessoas achavam que aquele ambiente de trabalho era normal? Será que apenas porque trabalhavam com informática era normal virar quase todo final-de-semana e viver correndo atrás das datas de entrega? Não existiria uma maneira de serem apenas funcionários normais como o restante da empresa?

Para Arnaldo, a resposta era obviamente sim. E isso passava necessariamente por Bolívar. A sua incompetência e amargura haviam levado a equipe até ali. Ele tinha que agir. Tinha que aproveitar a situação. Os ânimos tinham que continuar quentes. Levantou-se e foi até a mesa de Bolívar.

- Bolívar, estou saindo. Vou no hospital ver como o Anderson está.
- Arnaldo, já falei que vou cuidar disso. Já consertou o problema da fábrica? Aposto que não. Volte ao trabalho e pare de bancar o herói.
- Acho que você não ouviu direito. Eu disse que estou saindo. Não pedi a sua opinião. De agora em diante gostaria que você me tratasse como um adulto. O problema na fábrica não exisiria não fosse por você. O erro acontece na funcionalidade que você quis “dar de presente” para o pessoal da fábrica na última quinta-feira. Provavelmente por termos codificado aquilo na correria do final-de-semana e entregue sem testar suficientemente, a aplicação deve estar cheia de bugs. Mas isso você já deve saber, duvido que seja tão burro.
- Voce está louco de falar comigo assim Arnaldo!?! Quer ser demitido, é isso?

Àquela altura, toda a sala já assistia ao espetáculo.

- Me demita. Sem mim para arrumar as coisas pra você talvez fique claro para a empresa o tamanho da sua incompetência, e com sorte você também levará um belo chute no traseiro em breve.

Arnaldo virou as costas e foi embora. Quase não ouviu os aplausos dos integrantes do time e também perdeu a cara incrédula de Bolívar. Rumou para o hospital, onde seu amigo Anderson estava internado.

Chegando lá, constatou que Anderson, apesar da gravidade do seu estado, felizmente já havia saído do estado de coma. Estava consciente e conversava com dificuldade. Conversaram um pouco e Anderson logo se mostrou preocupado por estar com o pager.

- A propósito, se a fábrica está parada, como o Bolívar liberou você para vir aqui? – perguntou Anderson.
- Digamos que eu me inspirei no Don Corleone. Fiz-lhe uma proposta que ele não pôde recusar.

Reggie, the Engineer.
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