quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Mau Tempo à Vista...

Bolívar convoca todo o time para uma reunião urgente.

- Pessoal, temos um grande problema. A fábrica de remédios L2 está parada devido a um problema no módulo de Shipping. E finalmente descobri onde está o Anderson: no hospital. O que nos leva a um problema maior ainda. Estamos sem Pager. Quero uma linha aberta com a fábrica agora e a atenção de todos até a solução do problema.

- Como assim no hospital? O que houve? Pergunta Arnaldo, o melhor amigo de Anderson.

- Não tenho maiores detalhes e, para ser sincero, não temos tempo para isso agora. Todos de volta ao trabalho!

O cérebro humano funciona de uma forma muito estranha. E todas as 17 pessoas daquela sala percorreram pensamentos diferentes. A maioria se colocava no lugar de Anderson, que havia ficado até mais tarde na noite passada e havia dirigido naquele estado – depois de ter virado duas noites seguidas. É, a maioria sentia medo. Medo da situação que aquele clima havia criado. Um clima onde o resultado o esforço não valia nada e a falta de planejamento fazia com que nunca se alcançasse algo bom. É claro que na hora que pensavam em si mesmos naquela situação, as experiências pelas quais cada um havia passado na vida alteravam em muito o sentimento, que variava desde a culpa até uma saudade do pai.

Uma pequena parte daquele grupo levou seu pensamento para outro lado: o da indiferença. Fosse momentânea ou não, a indiferença nessas pessoas fazia com que elas se focassem exclusivamente no trabalho que precisava ser feito. “O que ocorreu eu não posso mudar. Tenho que cuidar do que precisa ser feito. Agora não há tempo para nada”. Bolívar ficaria extasiado se conseguisse ler o pensamento deles. Era desse tipo de profissional que ele precisava.

Arnaldo não. Estava em outra categoria e fase de pensamentos. Estava com ódio. Depois de ligar para o Hospital, descobriu que Anderson estava com traumatismo craniano e se encontrava em coma. O estado dele era “estável”, segundo os médicos. Ódio do que era submetido naquela empresa. Ódio por ter que explicar 20 vezes a mesma coisa para Bolívar, que por sua vez não fazia nada para ajudar a equipe – muito pelo contrário, só atrapalhava retirando e incluindo escopo sem organização alguma. Ódio de se dar conta só agora que aquilo não valia a pena. Os últimos 6 meses tiveram apenas dois fins-de-semana livres.

Sabia que era seu dever fazer alguma coisa. Sabia que era hora de fazer alguma coisa. Olhou em volta e todos já haviam voltado aos seus lugares, uns pensativos, outros nem tanto. Bolívar, por sua vez, estava em seu aquário tradicional.

- Pessoal, falou em voz alta para todos, não sei se todos conhecem essa história, mas vou contar igual. Pesquisadores da Rússia decidiram fazer uma pesquisa junto a pacientes terminais. Era para ser algo simples – os pesquisadores deveriam entrevistar os pacientes que tinham os dias contados e fariam perguntas sobre a vida. Entre as perguntas, estavam coisas como “Do que você mais se arrepende na vida?”, “O que você faria se descobrisse que não irá morrer em breve?”, “Você estava pronto para ouvir uma notícia com a que seu médico lhe deu?”. Nenhuma das pessoas que se encontravam naquela situação falou do trabalho – nem bem, nem mal. Entre as coisas que mais se arrependiam estava não ter abraçado mais o seu filho. Viajar e amar estavam entre as respostas do que elas iriam fazer se descobrissem que não iriam morrer. E praticamente nenhuma pessoa estava pronta para morte, principalmente porque havia arrependimentos e coisas a ser resolvidas ainda. Mas ninguém tocou em trabalho, nem para reclamar. Parece que era algo muito insignificante para ser lembrado naquele momento.

Enxugou a lágrima que começava a escorrer de seus olhos e continuou.

- Queria ao menos uma vez fazer a coisa certa. Não tem sentido a gente trabalhar se não for para construir algo bom. E esse algo bom pode ser feito agora. Fiquei sabendo que o Anderson tem sangue AB+. Ele é receptor universal. E precisa muito de sangue. Todos aqui podem colaborar. Se não for para doar sangue, que seja para ajudar com alguma despesa. Ele sempre foi um cara legal, um bom líder. Não queria deixar ele à sorte do destino. Poderia ser qualquer um de nós, sabemos disso. Esses dias quase bati o carro voltando para casa depois de ficar 20 horas seguidas trabalhando aqui, nessa mesma sala em que estamos. Se todos sairmos juntos, não há como ninguém nos culpar. Quem pode ser culpado, sou eu, e estou pronto para isso.

O silêncio sepulcral representava o sentimento presente naquela sala. E a cara de incredulidade de Bolívar, que havia escutado boa parte do discurso, entregava que estava ainda em choque, não conseguia acreditar naquilo.

É. O cérebro humano pode até trabalhar de maneira estranha. Mas às vezes funciona, e bem.

Dr. Zambol.
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