terça-feira, 26 de outubro de 2010

O que você vai ser quando crescer?

Ah, o conhecimento. Talvez não haja nada mais fascinante do que a capacidade do ser humano de descobrir novos horizontes, dominar ciências e artes, progredir. Esse final de semana estive em um desses lugares que transpira conhecimento, berço de contínuo progresso: Cambridge. Esta fantástica cidade celebra o conhecimento humano desde muito tempo atrás - a Universidade de Cambridge remonta ao século XIII - mas ainda hoje continua a produzir coisas fantásticas. Como o Kinect, da Microsoft, que vai mudar a maneira como jogamos videogame a partir do próximo Natal. Ou como as pesquisas acerca do envelhecimento humano do gerontólogo Aubrey de Grey.

Este último é uma figura no mínimo curiosa. Com uma aparência que lhe dá um ar de personagem da trilogia "O Senhor dos Anéis", Aubrey causa mesmo choque com as suas teorias. Autor do livro "Ending Aging", ele afirma que a medicina regenerativa pode ser capaz de frustrar o processo de envelhecimento completamente dentro de poucas décadas. É isso mesmo: o fim do envelhecimento. Seria a imortalidade algo possível? Aubrey de Grey é mais uma das fantásticas mentes vagando pela ruelas de Cambridge, questionando dogmas, pilares, paradigmas. E embora suas teorias sejam um tanto controversas, ele trabalha em uma das áreas que potencialmente vão mudar a maneira como estudamos, trabalhamos, a maneira como enxergamos a nossa estada nesse planeta.

À noite, jantando com 3 especialistas na área de gerontologia, acabamos voltando ao assunto das pesquisas de Aubrey. Sem entrar na questão do fim do envelhecimento, é certo que a longevidade média do ser humano tem aumentado muito rapidamente nos últimos anos. É consenso que o primeiro ser humano a viver 150 anos de idade já nasceu. Uma das pessoas à mesa de jantar contou a história de uma tia sua que recém havia falecido aos 101 anos de idade. Seu marido havia vivido uma vida plena mas infelizmente havia falecido muito tempo atrás aos 68 anos. Em outras palavras, ela havia vivido outros 33 anos após a morte de seu marido. Ora, apenas isso já é uma vida inteira - o que você é capaz de fazer em 33 anos?

Enfim, me parece claro que a noção que temos sobre os ciclos pelos quais passamos em nossas vidas precisa de mudanças. O que você vai ser quando crescer? É a pergunta que fazemos às crianças para instigar suas imaginações sobre o futuro. Mas essa pergunta faz sentido dado o contexto em que estamos inseridos? Crescer significa o quê? Quantas carreiras teremos? Quantos ciclos experimentaremos? Quantas vidas diferentes, na prática, seremos capazes de viver? Precisamos urgentemente pensar sobre o assunto.

Porque ainda estamos vivendo com o "mindset" antigo. Cobramos de nossos filhos uma educação impecável, hábitos de estudo. Cobramos que eles aproveitem a vida de criança, brinquem, mas com responsabilidade, sabendo que "preparar-se para o amanhã" é igualmente importante. Cobramos então que eles se preparem e que busquem ingressar na Universidade. Aos 16 ou 17 anos. Esperamos que eles reflitam sobre essa importante decisão, afinal escolher a profissão vai impactar o que farão de suas vidas dali em diante. Cobramos então das mulheres que encontrem seus pares e se casem antes dos 30, afinal ninguém quer ficar para "titia". Cobramos (como sociedade) que as mulheres tenham filhos cedo, o relógio nunca pára. Cobramos que profissionais com 40 anos de idade estejam plenamente estabelecidos em suas vidas profissionais - quem vai sustentar a família e o empréstimo da casa? Cobramos finalmente que as pessoas sejam responsáveis e preparem-se para a aposentadoria, afinal quem estará lá para eles quando forem vulneráveis, frágeis, incapazes, os pobres velhinhos.

Precisamos quebrar com esse paradigma, porque a nossa realidade ao envelhecer não será assim, muito menos a de nossos filhos. Precisamos entender que não há mais necessidade para tanta pressa. As crianças podem interromper seus estudos entre o ensino fundamental e o ensino médio e passar um ano estudando e vivendo o mundo, por exemplo. Precisamos de outras opções de formação além do ensino profissionalizante e superior - formações mais práticas. Há tempo para ser bem investido antes de se decidir por um curso superior - fazer isso aos 16 ou 17 anos é loucura. Haverá tempo para vivermos várias e diferentes carreiras, vários e diferentes ciclos, várias e diferentes vidas. Quantos cursos você poderá fazer em seu tempo? Quantas graduações? Preparar-se para a aposentadoria, guardar dinheiro? Cuidado. Esses podem ser conceitos sem sentido em pouco tempo - se uma pessoa de 65 anos de repente tem tanto vigor quanto uma de 45 anos, porque o estado precisa sustentar a sua aposentadoria?

São questões que todos nós devemos considerar seriamente.

Agora mesmo estou me lembrando de Cambridge, e pensando no que vou ser quando crescer...

Reggie, the Engineer (João Reginatto)
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