terça-feira, 6 de outubro de 2009

Mitos em Empreendedorismo: O Foco


Estou me mudando para um novo apartamento nos próximos dias e essa situação toda me deixa muito desconfortável. Eu não consigo me manter muito tempo atento à uma tarefa que não gosto de executar, e mudança é algo que definitivamente não está na minha lista de hobbies. Tirar coisas do lugar, encaixotar, etiquetar, é tudo muito chato. Ontem por exemplo me foi incumbida a tarefa de encaixotar os objetos da estante da TV da sala. Comecei bem com os livros e enfeites, tudo certo até aí. Passei para os CDs e os DVDs e confesso que já me distraí um pouco. Quando cheguei no PlayStation já não sabia mais o que estava fazendo e só voltei ao normal quando minha esposa gritou para eu parar de jogar Madagascar.

Me lembrei então de umas histórias que eu havia escutado na semana passada, sobre empresas que hoje atuam em uma área um tanto quanto diversa daquela que inicialmente haviam planejado (quando eram start-ups). E enquanto tentava me concentrar em terminar logo de encaixotar aquelas coisas, pensei em escrever sobre foco, mais um dos mitos em empreendedorismo.

Muito se fala sobre foco no mundo dos negócios. Foco em um determinado mercado, foco em uma determinada solução, foco em uma determinada estratégia. E realmente é algo importantíssimo porque se você não tem foco você normalmente despende recursos valiosos em iniciativas sem sinergia entre si, o que é um desperdício. Mas dependendo do estágio em que um negócio se encontra, pode fazer muito mais sentido relaxar o foco em termos de mercado, solução ou estratégia, em detrimento de outras coisas. É o caso de uma empresa nascente, ou uma start-up.

Senão, vejamos. Em 1979, um jovem empreendedor de Seattle fundou uma empresa que se propunha a comercializar um interpretador da linguagem BASIC. Alguns anos mais tarde ele acabou mudando a direção da empresa e entrou no mercado de sistemas operacionais. Seu nome era Bill Gates e a empresa, a Microsoft. Em 1998 quatro empreendedores na Califórnia resolveram iniciar uma empresa para prover uma solução de "dinheiro eletrônico" para PDAs (especificamente Palm Pilots na época). Parece interessante não? Não deu exatamente certo e em 2000, após juntar-se com outra jovem companhia surgia o PayPal, posteriormente adquirido pelo eBay. De maneira similar, em 2002 um grupo de rapazes juntou-se em Vancouver e criou uma empresa para desenvolver um jogo de RPG multiplayer online. Não deu muito certo, mas as ferramentas de manipulação de imagens criadas acabaram dando origem ao Flickr, mais tarde adquirido pelo Yahoo!.

Meu ponto é que nenhuma das empresas ou - o que é mais importante - nenhum dos empreendedores acima sabiam onde exatamente queriam chegar quando começaram. Em teoria eles não tiveram grande foco em determinado mercado, solução ou estratégia. E não há problema algum com isso - pelo contrário, são todos hoje milionários. Para uma start-up, foco não é importante. Ou dito de maneira diferente, o foco deve estar em outros aspectos.

Principalmente em se tratando de indústrias de base tecnológica, onde a inovação é constante, o empreendedor não pode achar que consegue prever o futuro. Por isso também critico a ênfase em planos de negócio para start-ups. Uma start-up começa sempre com uma boa idéia, mas essa idéia deve ser experimentada e validada no mercado. E se o empreendedor descobrir que o cliente deseja algo um pouco diferente, ele deve ser flexível o suficiente para aplicar as mudanças de direção adequadas ao negócio. Vejam bem, tudo aqui é muito relativo. Usei a palavra "adequadas" porque também acredito que o empreendedor não deve sair fazendo 100% do que os clientes pedem. Ele sequer sabe se aqueles clientes são os "seus" clientes?

Por essa razão eu gosto da abordagem do Eric Ries. Ele defende que um empreendedor deve ter foco sim. Mas foco em processo. Ele afirma ter encontrado uma espécie de fórmula para que um empreendimento aumente suas chances de sucesso, e tudo está baseado em um bom processo de desenvolvimento de produto aliado a um processo de "desenvolvimento de clientes". A idéia básica é que o empreendedor deve concentrar-se em disponibilizar versões simples de seu produto ou serviço para experimentação, o mais rápido possível. Com base no feedback dos clientes ele deve rapidamente aplicar as mudanças adequadas, no espírito das metodologias ágeis. Quanto mais rápido o empreendedor conseguir executar esse ciclo, e quanto mais eficiente ele for em aprender com os clientes sobre o seu negócio, maiores as chances de sucesso. Nada de foco no mercado A ou na solução X.

Confesso que essa abordagem me soa muito bem. Acho que eu ficaria tão concentrado nesse ciclo de melhoria produto-cliente que nem daria tempo para uma rodada de PlayStation.

Reggie, the Engineer (João Reginatto)
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