quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Bordeaux 1996



No caminho para casa a angústia já apertava o peito de Marcos. Costumava dizer que o pior sentimento que se pode sentir por alguém é pena, pois, pena se sente quando nada pode ser feito, quando se está impotente. Hoje, sentia pena de si mesmo.

Entrou em casa silencioso. Deu um beijo na esposa mas não a encarou muito. A filha de três anos e meio brincava na sala:
- Oi Papai, brinca comigo?
- Oi filhota, agora não que o papai vai tomar um banho.
Beijou-a na testa e subiu para o quarto.

No caminho passou pela adega, que ficava embaixo da escada, e lembrou do seu troféu. O Bordeaux 96 estava lá, esperando, impaciente. Infelizmente, não seria hoje o dia dele. Marcos havia guardado aquele vinho para uma data muito especial, uma data que almejava há vários anos. No quarto ficou sentado por alguns minutos na cama sem saber o que fazer. Queria tomar um banho, apagar aquele dia com água quente. Mas para chegar ao chuveiro teria que passar pelo espelho do banheiro e não queria encarar o fracassado do outro lado.

Para alguém que planejou a vida profissional milimetricamente, Marcos era o que se podia chamar de um sujeito bem sucedido. Promoções e prestígio, tudo resultado de trabalho duro e abstinação. Nos últimos anos estava lutando pelo último degrau dessa escalada, a cadeira de presidente. O processo foi desgastante, mas será que poderia ser diferente? Há três anos havia sido informado que estava na lista dos cinco finalistas. Um ano depois, faltando mais dois ainda para a sucessão ocorrer, a lista se reduzia novamente, dessa vez para três nomes. E ele ainda estava no páreo. Cada um desses rounds era pautado por maiores desafios e superação. Nesse tempo foi expatriado para o Chile, responsável pela operação lá. Depois disso, de volta ao Brasil para coordenar uma nova divisão, tudo em um processo de avaliação constante, de deixar o Aprendiz no chinelo. No último ano restaram só dois, Marcos e seu concorrente.

E o veredito saiu hoje.

Debaixo do chuveiro água fervia suas costas, mas podia ser mais quente. Queria cozinhar os pensamentos que o assolavam, queimar as palavras do chefe lhe dando a notícia:
- Marcos, sinto muito, mas você não foi o escolhido.
Por mais que confiasse no chefe, por mais que o respeitasse, isso era demais para ele. Simplesmente fechou os ouvidos para o resto da conversa. Amanhã ele e escutaria o feedback, mas hoje só queria esquecer. Quanto trabalho, quanto esforço, quanta vida em vão. Desceu as escadas pior do que subiu. Foi quando encontrou a esposa ao telefone, com as lágrimas escorrendo pelo rosto:
- A Paulinha acabou de falecer.

A amiguinha da sua filha de quatro anos lutava com uma leucemia a seis meses, apesar das perspectivas positivas o quadro regrediu drásticamente nos últimos dias e ela não resistiu. Marcos sentou atônito, olhou para filha brincando e com os olhos cheios d'água foi à adega e abriu o seu Bordeaux.

[]s
Jack DelaVega