segunda-feira, 11 de maio de 2009

Vestindo a Camiseta

Há algum tempo atrás eu estava em um evento de TI em Dublin, e passei algum tempo conversando com um jovem gerente de uma grande empresa global de tecnologia. Ok, sem frescuras, o cara trabalhava no Google. Estávamos falando de amenidades e eu, apenas para manter a conversa andando, perguntei se o escritório deles ocupava também o prédio da frente (eu sabia que a resposta era 'sim', mas como falei, perguntei aquilo apenas para manter a conversa andando). Qual não foi minha surpresa quando o rapaz me respondeu:


- Me desculpe, não posso lhe dar essa informação.

Alguns dias atrás, eu estava em um hotel em Curitiba para o lançamento do livro da Tribo. Ok, vou entregar: era um hotel Íbis. Estava no quarto trabalhando nos meus emails quando ouvi uma conversa do lado de fora da porta. A conversa se aproximou e três pessoas abriram a porta do quarto falando alto, entrando sem pedir licença e apenas avisando que tinham que trocar a làmpada do abajur. Reclamei um pouco e a moça vestida de arrumadeira apenas argumentou:

- Me desculpe senhor, queremos apenas trocar a lâmpada do abajur para que o senhor tenha uma ótima estada.

Estou no Cairo e ontem pela manhã tomava banho tranquilamente no quarto de um luxuoso hotel no centro da cidade. Ok, vou entregar de novo: era um hotel da rede Marriott. Minha esposa se arrumava no quarto quando ouvi um barulho na porta seguido de uma conversa inaudível.

Em seguida minha esposa entrou no banheiro indignada.

- O cara entrou assim na maior no quarto apenas para perguntar se tínhamos usado o mini-bar, se precisávamos de mais café, ou se estávamos precisando de qualquer outra coisa. Devem haver maneiras melhores de agradar o cliente.

Essas histórias têm algumas coisas em comum e uso elas para ilustrar algumas coisas que critico em grandes organizações. A primeira delas é o abismo que pode existir entre a mensagem que a organização quer passar, ou como ela deseja tratar o cliente, e o que os funcionários executam na realidade. Certamente no caso de redes hoteleiras como o Íbis ou Marriott não é intenção da corporação incomodar o cliente em momentos inapropriados sob o mote de gerar uma boa experiência. Provavelmente o que acontece é que a cobrança por resultados e a incompetência da gerência de primeira linha acabam criando funcionários 'cegos' por agradar o cliente. Eles nem mesmo entendem o que estão fazendo, ou se aquilo realmente está agradando alguém, mas faz parte do trabalho deles fazer aquilo e fazer eficientemente, sem questionar. Com a globalização, esse problema se tornou mais grave ainda, pois a cultura de quem executa pode ser extremamente diversa da de quem dirige ou define a estratégia, que dirá a diferença com relação à cultura do cliente. No meu exemplo do Marriott no Egito, menos mal para o funcionário que ele entrou em um quarto onde estava um brasileiro, e nós levamos aquilo na boa. E se fosse um americano irritadinho?

Um outro aspecto dessas historinhas, que tem mais a ver com a primeira delas, é o que comumente se chama de 'vestir a camiseta' da empresa. Uma coisa é dedicação, comprometimento, acreditar na empresa e sua proposta e fazer o possível para obter bons resultados. Mas tem muito funcionário despreparado por aí, do tipo que o fato de trabalhar para uma grande corporação 'sobe para a cabeça'. De repente passam a se achar mais importantes do que os demais apenas porque trabalham em escritórios climatizados e com carpete, têm de usar seu crachá para abrir inúmeras portas secretas antes de chegar à sua mesa, ou porque o dono de sua empresa têm um jatinho particular ou um iate de 50 milhões de dólares. Os empreendedores costumam rir desse tipo de gente. No caso do rapaz do Google com quem eu estava conversando: eu sabia que eles usavam o outro prédio, parte porque o logotipo do Google estava estampado bem grande na recepção - imagino que se a informação fosse tão sigilosa assim uma empresa do porte do Google estaria mais preocupada em como expõe sua marca no saguão de um prédio localizado em uma das ruas mais movimentadas do centro financeiro.

Aposto que esse tipo de cara acorda de manhã, toma uma ducha, e vai para a frente do espelho usando o crachá da empresa, se admirando e dizendo para si mesmo:

- Damn, I'm looking good...

Reggie, the Engineer (João Reginatto)
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