terça-feira, 26 de maio de 2009

Morte no Nilo

Estive no Egito de férias logo após o lançamento do livro da Tribo do Mouse, há duas semanas. Enquanto estava planejando a viagem, todos me diziam que eu deveria fazer um cruzeiro no Nilo. Conversei com duas, três, quatro pessoas que haviam ido para lá, e todas elas haviam feito a mesma coisa. Mas eu não estava convencido. É que eu e minha esposa não gostamos de viajar de pacotão, gostamos de fazer o nosso próprio roteiro, andar no nosso ritmo, ter a oportunidade de eventualmente se perder - não há melhor maneira de realmente conhecer um lugar.

E assim foi. Embarcamos para o Egito com um esboço de roteiro no papel e a acomodação reservada. O resto definiríamos por lá.

Mas não é fácil. O que vou relatar aqui é completamente baseado na minha experiência e em alguma leitura, mas obviamente pode não ser a realidade, não sou expert no assunto.

O que parece ocorrer no Egito é algo que provavelmente temos no Brasil também. Existe uma camada de serviços por sobre a indústria de turismo no país que faz com que o turista não tenha contato efetivo com o local. Explico. Vamos começar com a rede hoteleira. Praticamente não existem mais grandes hotéis realmente egípcios - daqueles que vemos nos filmes. Marriott, Hilton, Steigenberger, Moevenpick, os nomes são todos estrangeiros - e ocidentais. Os hotéis de médio e pequeno porte são totalmente não-recomendados por qualquer um que você converse. São "perigosos" dizem os experts em turismo. Uma vez em um desses grandes hotéis, o turista se vê totalmente desencorajado a fazer coisas normais como caminhar na rua ou pegar um táxi. É "perigoso", não se preocupe que o hotel lhe arranja um carro.

Com os tais cruzeiros no Nilo, acontece uma coisa parecida, mas talvez em maior escala. Os turistas simplesmente não saem de seus barcos, a não ser para entrar em um ônibus com ar-condicionado e ir até um dos pontos turísticos. Restaurantes, lojas, os barcos dos cruzeiros têm de tudo. Os restaurantes são na maioria ocidentais (têm até Pizza-Hut). As lojas em teoria vendem souvernis e artesanato local - embora o preço seja um pouco diferente.


Com os tours é a mesma coisa. Ou você faz pacotão via um cruzeiro, ou vai até a agência de viagem de plantão nos grandes hotéis, ou vai até um operador indicado localmente. Obviamente, tais operadores são todos nomes conhecidos nossos: American Express, Thomas Cook, etc. Qualquer coisa fora disso pode ser "perigosa".

Detalhe: o Egito é um país com menor criminalidade do que os EUA ou Reino Unido.

Em um determinado ponto da viagem eu, já meio sem paciência, acabei negociando com um motorista que conhecemos todos os tours que faríamos em 3 cidades (fora o Cairo). Ele nos levaria onde quiséssemos, nos contaria o que ele soubesse sobre os lugares, e ainda conseguiria um amigo em outra cidade para nos prestar o mesmo serviço por lá. Conclusão: paguei 5x mais barato do que o preço mais em conta que tinha encontrado nas operadoras ocidentais. Em um belo dia pedimos a esse cara para parar em uma farmácia - estávamos precisando de protetor solar. Era 3x mais barato do que na farmácia do hotel.

Ok, mas esse blog não é sobre viagens, então vamos parando o relato por aqui. O ponto que quero chamar atenção aqui é sustentabilidade. Eu e minha esposa voltamos discutindo a maneira como a indústria de turismo funciona em países pobres como o Egito, e como ela não é sustentável. Em geral acreditamos que países pobres são pobres porque não têm habilidade ou recursos para serem algo diferente. Mas o que acontece muitas vezes é que esses lugares não recebem a fatia que merecem dentro da cadeia.

Não falo em merecimento no sentido ingênuo de achar que aquelas pessoas não merecem ser pobres. Estou falando de preços justos, salários justos, valor agregado. O imenso volume de recursos que o turismo injeta no país anualmente não chega efetivamente em quem trabalha na indústria. Essa camada adicional de serviços que mencionei anteriormente faz uso do gigantesco abismo que existe em termos de poder aquisitivo entre o turista e o as pessoas locais (para não falar no câmbio), colocando-se como intermediário em praticamente todas as relações de consumo, e explorando de certa forma os empreendedores locais.

O que conforta é que o tema da sustentabilidade, principalmente em relação a essa importante indústria que é o turismo, está com um momentum muito bom no meio empresarial. Mais ainda com as crises ambiental e financeira que estamos vivendo. Geralmente esperamos que a pessoa ao lado, ou a empresa ao lado vá fazer alguma coisa sobre isso. Mas o que cada um de nós está fazendo no sentido de promover sustentabilidade em cada uma das dezenas de relações de consumo que engajamos todo dia?

Reggie, the Engineer (João Reginatto)
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