quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O Patrão, o Taxista e o Fim-de-Semana

Fui de táxi hoje trabalhar devido a alguns imprevistos, e tive uma corrida bastante interessante:

[Dr. Zambol] Você está há tempos "na praça" (trabalhando com táxi)?
[Taxista] Nossa, trabalho já há 23 anos com isso. Desde que me aposentei.
[DZ] Não conseguiu curtir a aposentadoria em casa então?
[TX] Sabe como é, tempos difíceis esses hoje. Se fico só com o INSS, não sobra nada no final do mês.
[DZ] Você é o dono do taxi ou empregado?
[TX] Empregado. A placa hoje custa 200 mil, às vezes até 300 mil reais dependendo do ponto. Mas dá pra tirar uma grana legal. Meu patrão é gente boa. Ele me cobra em torno de 200 reais de "féria" (comissão) por dia em meses normais. Janeiro e fevereiro, quando tá tudo parado, ele cobra 150. Novembro de dezembro é um pouco mais.
[DZ] A "féria" é fixa por mês então, é isso?
[TX] Sim, mas quando dá um dia bom, eu até aumento a "féria" dele. Fiz isso desde o início para ele saber que podia confiar em mim. Até hoje faço isso.
[DZ] Ué, essa é inédita pra mim. Sem ele pedir e sem ser obrigatório por contrato você dá assim mesmo a mais do que o fixo?
[TX] Eu gosto do meu patrão - não quero trocar. Foi o único que aceitou minha condição especial quando comecei a trabalhar.
[DZ] Que condição especial?
[TX] Eu não trabalho final-de-semana. Já não vejo minha esposa e filhos porque tenho que ficar trabalhando depois de aposentado. Quero ficar com minha familia sábado e domingo. Eu não abro mão disso.
[DZ] Legal. E ninguém aceita isso nesse meio?
[TX] Não porque o carro fica livre no final de semana e não existe quem queira trabalhar só final de semana. Ele confia tanto em mim que eu sou o único motorista dele que leva o carro para casa. Ele tem quatro carros - só eu tenho direito de fazer isso.
[DZ] E você nunca foi assediado por outros proprietários de placa?
[TX] Nossa, muitas vezes. Meu patrão começou a abrir a boca que eu dava "féria" a mais e quando vi tinha um monte de gente me assediando. Falei pro meu patrão pra não falar nada porque a tentação era grande.
[DZ] Imagino. Mas sempre aguentou no osso?
[TX] Não. Teve um sujeito que me fez uma proposta que eu não podia recusar. Fui trabalhar com ele. A sorte que meu patrão me disse na época: "Tu sabe o que é melhor pra ti, não vou te impedir de nada. Mas saiba que eu confio muito em ti, gosto muito do teu trabalho e se tu te arrependeres, tu tem um lugar aqui garantido". Não deu outra. Não me dei bem com o novo patrão. Em 3 meses tava de volta com ele.
[DZ] Legal.
[TX] E ainda ganhei regalia. Ele disse que eu poderia escolher um dia do ano para que eu ficasse com a "féria". Escolho sempre a véspera de natal. Ninguém mais faz isso, só ele.
[DZ] Pelo jeito tu tá feliz com o que faz hoje.
[TX] Nossa. Fim-de-semana fico em casa com a mulher e ainda tenho o carro pra mim e tenho a "féria" da véspera de natal - que é uns 400 reais geralmente por aí, só pra mim! Esse ano até tirei quinze dias de férias e fui para a praia. Me dei esse direito!

A conversa obviamente não foi muito profunda. E não poderia ser diferente. Vinte minutos dentro de um carro ninguém espera um prêmio Nobel.

Mesmo assim, fiquei impressionado com algumas coisas muitos interessantes que percebi durante o diálogo:
  1. O taxista sabia exatamente o que queria - ou melhor - o que não queria: não queria trabalhar fim-de-semana. E embora o mundo de motorista de táxi exigisse isso dele, ele deixou isso bem claro desde o início. Poucos profissionais são maduros o suficiente para (1) entender o que realmente deseja e (2) comunicar isso de forma correta para a gerência
  2. O taxista sabia da história "dar antes de receber", muito esquecida hoje em dia. Desde o início ele deu "féria" a mais quando achava que o dia tinha sido bom, para ganhar a simpatia e a confiança do patrão - em parte para compensar o fato de ele não trabalhar no final de semana e, por isso, ter de deixar o carro parado um tempo. Novamente, ele teve maturidade de entender a posição que estava e criar uma relação ganha-ganha.
  3. O patrão, pelo jeito bastante aberto, teve uma atitude muito legal na hora que ele foi sair: "Tu sabe o que é melhor pra ti. Mas saiba que eu confio muito em ti, gosto muito do teu trabalho e se tu te arrependeres, tu tem um lugar aqui". Quantos gerentes hoje em dia com MBA e tudo se esquecem de elogiar quando necessário e só valorizam o profissional na hora que ele está para sair?
  4. O patrão também achou uma excelente forma de motivar o profissional: pode escolher qualquer dia do ano para você ficar com a "féria" para você. Custa para ele algo em torno de 400 reais ao ano - menos de 40 reais por mês - mas tornou-lhe especial, pois tem um valor muito maior do que o dinheiro, pois significou valorização pessoal. A lição que tirei daqui é que às vezes achamos que a recompensa tem que ser mirabolante e tudo o que o profissional precisa é sentir-se especial - e mesmo isso sendo fácil, muitas vezes nós na posição de líderes não o fazemos por falta de imaginação ou simplesmente preguiça de criar uma boa estratégia.
Agora com licença, tenho que chamar um táxi para voltar pra casa.

Dr. Zambol
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