quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Série 'Aconteceu Comigo': Como Exterminar o Analista

O projeto estava no vermelho. E estava lá há bastante tempo. Até entregador de pizza já estava por dentro do design do sistema, de tanto que aparecia no escritório. Final de semana, feriado, aniversário da mãe, dia dos namorados, esquece - ninguém mais sabia o que eram essas coisas.

Os motivos que haviam levado o projeto para aquele estado lamentável ninguém mais conseguia listar. Eram muitos, com certeza. Mas a equipe estava de tal maneira imersa naquele caos que racionalizar sobre o assunto era praticamente impossível. Parecia uma outra dimensão.

E tinha o Abelardo.

O Abelardo não trabalhava na empresa - ele era na verdade um analista que o nosso cliente tinha 'emprestado' para ajudar a definir os requisitos do sistema. Em teoria o Abelardo conhecia muito da área e seria a voz do cliente. Na prática o Abelardo nunca antes havia trabalhado em TI, e queria muito ter sucesso naquela empreitada. Ele tinha uma imagem clara do sistema na cabeça dele, o difícil era tirar a imagem de lá. O Abelardo era boa gente, mas comunicação não era o forte dele. E essa nem é uma habilidade importante para um analista...

Acima de tudo, o Abelardo era uma figuraça. No sul a palavra certa seria 'grosso'. Em São Paulo talvez fosse chamado de 'caipira'. Ele era tosco mesmo, o coitado. Óculos na ponta do nariz, calça curta, sempre com o cabelo por pentear. Tinha chegado na cidade grande não fazia muito. Quando questionávamos determinados requisitos do sistema ele costumava invariavelmente dizer: 'ah, mas daí tâmo falando de outro tipo de pobrema...'. Era o jeito dele de admitir que não sabia a resposta. Pavio curto, estava sempre discutindo. Se já falava alto por natureza - boas maneiras haviam passado longe daquele corpinho, quando se exaltava então, era um show à parte. Impróprio para menores.

Um belo dia, reunião de projeto. Em volta da mesa, o gerente do projeto, o gerente da área de tecnologia, eu, o Abelardo e o chefe do Abelardo - que no final era quem pagava a conta. O gerente de projeto começa citando os progressos da semana, e em pouco tempo estamos discutindo mais uma mudança de requisitos proposta pelo Abelardo - que novidade. Mas a reação do gerente de projeto dessa vez é diferente. Ele está exaltado, e questiona Abelardo por mais essa mudança. Em pouco tempo, a reunião vira mais um showzinho do Abelardo, que discute com o gerente de projeto abertamente. Eu tento intervir em determinada altura, tentando mediar e trazer um pouco de bom-senso, quando recebo um chute na canela, por baixo da mesa! Olho para os lados, espantado com o chute que recebi, e de repente cruzo o olhar com o gerente da área de tecnologia, que sorrateiramente coloca o dedo indicador na boca como que me dizendo para ficar quieto. A essa altura eu havia entendido a jogada: o analista estava para ser eliminado. Fiquei na minha, acompanhando os leões cercarem a presa - me sentia em uma cena do 'Poderoso Chefão'. O pobre do Abelardo entrou direitinho na cilada, e em pouco tempo, acuado pela discussão, ele diz ao gerente de projeto:

- Ah, vai à m...., você não é meu chefe!

Problema resolvido. O chefe do Abelardo intercede, diz que aquele tom não é admissível, pede a ele que se acalme, e a reunião se encerra em seguida.

No dia seguinte, um email breve do gerente de projeto: o Abelardo havia sido afastado. Um novo analista chegaria ainda pela manhã.

Reggie, the Engineer (João Reginatto).
--