quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Efeito Borboleta

O pai de Eduardo era um árabe tradicional e nos anos sessenta isso era levado à sério. Empresário sem educação formal, decidiu que os filhos seguiriam um caminho diferente. 
- Quero um filho médico, um filho arquiteto, um advogado, um dentista. 
Com as outras profissões já tomadas pelos irmãos mais velhos, sobrou para meu tio, a odontologia. No final do primeiro semestre, porém, ele já havia tomado a decisão de largar o curso e fazer engenharia. Faltava, somente, o exame final. 
A prova consistia na explicação de tópicos para uma banca de professores. Cada aluno sorteava seu tópico de um saco, onde bolinhas, como as de bingo, continham o número do respectivo tópico a ser detalhado. A turma possuía material sobre todos os tópicos, exceto o de número 7. Meu tio não estava disposto a fazer a prova, iria largar o curso de qualquer jeito e não queria correr o risco de passar vergonha em frente a banca por não saber o tópico 7. Foi dissuadido por seu professor:
- Vaí lá rapaz, fica tranquilo.

Em frente a banca ele enfiou a mão no saquinho e depois de apalpar um pouco puxou a bolinha que, pelo relevo, seria o tópico 1. Constatou desesperado que tratava-se do número 7. Tomado por um misto de raiva e vergonha, deixou a banca e o resto para trás. Com zero na avaliação rodou na disciplina e, por teimosia, cursou novamente o semestre, esqueceu a engenharia e virou dentista.


Todas as noites, a turma voltava da aula tarde da noite, espremida no Chevete do Cléber. No caminho  passavam pela Farrapos, tradicional ponto de prostituição da capital gaúcha. E toda noite, não importasse a chuva ou o frio, encontravam o loirão parado na mesma esquina. Loirão era o  apelido carinhoso de um travesti de um metro e oitenta e mais de cem quilos, provavelmente fruto de uma mistura étnica de índios bugres com imigrantes alemães. Em essência: O loirão era o rascunho do caminho do inferno. Quando passava por dele a galera gritava:
- Aí loirão!
E ele respondia com um aceno tímido e um sorriso, uma perfeita lady.
Numa noite de sexta-feira o chevete ia lotado como sempre e atrasado como nunca. Estavam indo para a pelada da turma, mas sem o zagueiro, acamado por conta de uma gripe. Foi do Jonas a idéia de conversar com o Loirão:
- E aí loirão, o nosso baque deu desfalque hoje, quer bater uma bolinha conosco?
- Não vai dar mesmo galera.
- Ah, qualé que é loirão, não quer jogar com a gente? Vai vir com preconceito agora?
- Que nada, galera. Tá vendo esse joelho aqui? 
Ele apontou para perna esquerda que estava coberta por uma fusô rosa pink.
- Estourei o menisco numa bola dividia num time da terceira divisão de Roca Sales. Afinal de contas, por que vocês acham que eu entrei nessa vida? 

[]s
Jack DelaVega