quinta-feira, 1 de julho de 2010

Me Aposentei e Nem Vi - Reedição

- O João é um bom companheiro, o João é um bom companheiro, o João é um bom companheiroooooo, ninguém pode negar, ninguém pode negar....

Todos estavam animados na festa de aposentadoria de João. O bolo grande, pago pelo diretor, era uma delícia. Os balões coloridos davam um tom de festa de aniversário de criança. Todo mundo estava se divertindo muito. Todo mundo, exceto João.

Não conseguia dissociar aposentadoria com análise de vida. Por um lado, tinha conseguido chegar à gerência do seu setor, o que poderia ser considerado uma conquista. Por outro lado, a empresa tinha mais de 4800 gerentes. Tudo bem, era uma multinacional gigante, mas isso não mudava o fato dele ser apenas 0,02% da força gerencial da empresa.

Havia conseguido construir uma excelente casa para morar em um bairro extremamente nobre, mas super-dimensionou sua necessidade e o preço pago pela sua "pequena mansão", como chamava, lhe havia custado 10 anos sem viajar e muitas dores de cabeça.

Pois falando em viagem, não teve tempo para conhecer diversos lugares que sempre sonhou. A Rússia, por exemplo, não teve tempo nem dinheiro para ir. Também não conheceu a aurora boreal, um sonho seu de criança. Muito menos havia visitado as pirâmides do Egito ou um vulcão em erupção.

Talvez tenha trabalhado em muitas coisas que não desejou e desejado muitas coisas pelas quais não trabalhou. Será então que o seu problema era falta de foco? Não conseguiu se concentrar em uma coisa específica e desperdiçado energia em muitas coisas pulverizadas?

João não conseguia achar respostas. Conhecia bem a teoria do caos, onde um bater de asas de uma borboleta pode causar um furacão no outro lado do planeta. Com base nisso, não tinha como saber se qualquer ação diferente que tivesse tomado teria sido pior ou melhor para sua vida.

Sabia apenas uma coisa: que estava com as mãos enrugadas e que o tempo havia passado muito rápido. Tão rápido que chegara ali sem perceber. Estava há 14 anos naquela empresa e em nenhum momento havia parado para tomar decisões de carreira como "devo estudar mais da área financeira para conseguir me candidatar a vaga de diretor financeiro" ou "farei um MBA e em dois anos saio da empresa através de um headhunter". Simplesmente foi levado pela maré, trabalhando mecanicamente dia após dia, durante esses 14 anos. Sim, talvez isso tenha feito o tempo passar rápido.

Olhando à sua volta, viu o número de amigos que possuía e lembrou do quão tranqüilo era o ambiente daquela empresa. Já havia se estressado, claro, mas era sempre um ambiente de ajuda e não de sacanagem. Provavelmente, era esse o motivo que lhe fez seguir a maré e não se preocupar tanto com um projeto estruturado de carreira.

João então se deu conta, talvez tardiamente, que muitas vezes é numa empresa com um bom ambiente de trabalho e que não exige o limite de performance de seus funcionário onde os maiores talentos são desperdiçados - seja pela falta de interesse em se arriscar a tentar um novo emprego, seja pela falta de preocupação com o futuro, seja pela comodidade de ficar onde se está, fazendo o que já se sabe fazer. É o chamado efeito funcionário-público: poucas preocupações geram pouco esforço em mudar que geram pouco estudo e planejamento de carreira. A rotina gera estagnação, que por sua vez gera preguiça de se reinventar, que por sua vez gera mais rotina.

Quando a festa acabou, João se despediu de todos, respirou fundo, abriu a porta e...

- João, esqueceu seu casaco na cadeira!

João voltou. Hoje, tinha que levar de volta aquele casaco empoeirado.

Dr. Zambol
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