sexta-feira, 27 de março de 2009

O Lado Idiota do Grande

Nelson olhou para o relógio pela vigésima vez. Os dois ponteiros já estavam bem próximos do número 12. Olhou em volta e nada ainda. Já estava lá esperando por ela há quase uma hora. Logo hoje que ira pagá-la.

Chamou o garçom. Pagou a conta com uma gorjetade de trinta reais. Sempre fazia isso: quando estava deprimido, gorjetas gordas, que causavam um sentimento de felicidade no atendente, era a única maneira de ficar feliz. O ato narcisista totalmente dissimulado em ato de bondade era uma boa definição de seu caráter. E o pior é que ele sabia disso. Talvez por isso mesmo Nelson estivesse tão deprimido. Era daquelas pessoas que pensa em si mesmo 10 vezes antes de pensar em qualquer outra coisa. Gostava sempre de citar Jean de La Bruyère para todos os que desconfiavam de seus atos: “Até mesmo os homens honestos precisam de patifes à sua volta. Existem coisas que não se podem pedir às pessoas honestas para fazerem”.

Depois de retornar o sorriso de felicidade ao garçom que ouviu espantado a frase “pode ficar com os trinta reais de troco”, pegou seu casaco de veludo que jazia no encosto de sua cadeira e foi em direção à porta.

Ficou pensando nos últimos momentos com ela. Todo aquele stress tinha destruído a relação deles. Tudo tinha começado tão bem... como tinham acabado naquela situação?

A poucos metros da saída, alguém o para subitamente.

- Onde você está indo? Perguntou Marta, fitando-o enfurecidamente.
- Achei que você não viria mais. Marcamos às 23 horas.
- Estava na instalação do sistema – você bem sabe disso!
- Bom, está aqui o seu dinheiro. Concordo que devo pagar 50% de suas horas extras. Mas realmente não tenho como pagá-las integralmente.

Marta pegou o dinheiro e contou-o. Sua respiração estava ofegante. Estava visivelmente abalada.

- Dois mil reais? Isso é esmola! Isso não significa 50% das horas-extras - deve ser 10% no máximo!
- Eu posso te pagar o resto aos poucos. Só quero que continue comigo. Pode sair da empresa, mas não me deixe.
- Aprenda uma coisa: não sou prostituta. Não ficarei com você para conseguir o resto do dinheiro. Te vejo no tribunal!

Nelson olhou Marta sair apressada pela porta do bar, levando o dinheiro das horas-extras, levando seu coração.

Nelson, o grande dono de uma start-up milhonária, que na imprensa local era chamado de gênio, naquela hora não passava de um idiota que tinha se envolvido com uma subordinada e perdido toda a noção – inclusive da única coisa que sabia fazer – negócio.

“Em nosso século, o ‘grande homem’ pode ser, ao mesmo tempo, uma boa besta”

“É preciso ir ao fundo do ser humano. Ele tem uma face linda e outra hedionda. O ser humano só se salvará se, ao passar a mão no rosto, reconhecer a própria hediondez”

Nelson Rodrigues

Dr. Zambol
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