sexta-feira, 20 de março de 2009

Não Trabalhe Infiltrado

Nessas últimas férias, enquanto esperava para embarcar no catamarã para ir nas piscinas naturais em Maragogi, o dono do bar me viu conversando com a Dra. Zamba e percebeu que eu era gaúcho. Como já tinha estado pelo sul do pais, puxou assunto e 10 minutos depois já se sentia íntimo o suficiente para compartilhar sua vida inteira. Vou resumir o que ele me contou naquele dia:

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Fiquei um bom tempo lá no sul. Era jogador de futebol. Joguei em Caxias do Sul e Bagé principalmente. Jogava na segunda divisão. O jogo é muito pesado na segunda divisão. Os caras tem muita fome de bola e querem ser reconhecidos a cada segundo. É muito mais difícil jogar lá.

A boa experiência que tive é que nunca atrasaram um dia do meu salário. E olha que eu tinha um contrato muito bom para segunda divisão! Os gringos são gente muito boa. Quando jogava por aqui, receber em dia era exceção...

Quase fui para o Inter, mas o esquema do futebol é uma máfia. O meu empresário não era uma pessoa tão influente e a transferência acabou furando. No fim até foi bom para mim, menos de um ano depois comecei a jogar no Corinthians.

Ali sim que o meu contrato era bom. Lá que eu vi o que era viver bem. Mas não durou muito, infelizmente. Machuquei meu joelho num treino. O certo era fazer cirurgia, mas a temporada tava pra começar e eu era muito novo no time. A pressão era muito grande para eu começar a mostrar porque eu ganhava aquela grana toda – para mim era muito dinheiro!

Joguei duas partidas infiltrado e aí sim o meu joelho estourou. Senti na pela aquele ditado que “o que vem fácil vai fácil”. Como meu contrato era novo, tinha umas cláusulas de experiência. Fui demitido sem eles nem me darem explicação. Pô, vejo um monte de gente ficar no banco. Comigo foi diferente.

O pior é que me estraguei – nunca mais consegui jogar futebol profissional. Até as peladas que jogo por aqui só agüento 10 minutos e tenho que sair quase carregado.

Usei o dinheiro que Deus me deu nesses anos de futebol e comprei esse bar e uma lanchinha – foi tudo o que sobrou. Agora vivo do turismo. Não dá para me queixar, mas não consigo mais nem chegar perto do nível de vida que tinha jogando na segunda divisão. A vida tem um monte de surpresas para nós!
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E a vida realmente é cheia de surpresas. Foi a melhor conversa de 15 minutos que já tive com um estranho. Muitas lições podem se tirar da história de vida do rapaz, mas dois pontos me chamaram muita atenção:


  • A lesão no joelho não foi o problema. O problema foi a pressão para que ele continuasse com a mesma performance mesmo machucado, que o levou a perder a carreira. Um amigo meu, alocado em um projeto de informática, trabalhou sob tanta pressão para corrigir um erro estrutural em um projeto que teve que renegar o tempo com a família, com os filhos e com os amigos – trabalhando incansavelmente fins-de-semana e noites. Como o erro era estrutural, fracassou no projeto, foi demitido e ainda perdeu seu casamento. Talvez ainda consiga "jogar" em um outro time, mas certamente seu desempenho não será o mesmo por um bom tempo.

  • Mesmo depois de ganhar um bom dinheiro, uma esperança muito grande de carreira e de ter feito escolhas erradas que o levaram a perder a carreira de jogador, conseguiu se recompor e viver feliz – bem feliz por sinal. Pode parecer clichê, mas às vezes nos preocupamos e perdemos tempo com bobagens muito superficiais que certamente não valem à pena. E são às vezes as próprias preocupações que, se não monitoradas, nos criam problemas crônicos, difíceis de serem resolvidos.

Embarquei no catamarã me perguntando se estaria na segunda ou na primeira divisão no mundo do escritório? Aliás, o que seria a primeira divisão? É relativo mais ao cargo, à empresa, aos ganhos anuais ou à felicidade de trabalho? Certamente, a respostas não é tão simples...

Dr. Zambol
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