quarta-feira, 19 de setembro de 2007

O Sucesso do Fracassado

Mário tem um pequeno problema nas mãos – seus dedos não se formaram como deveriam. Sua mão esquerda tem dois dedos e sua mão direita, nenhum. Isso o impede de fazer muitas coisas. Mesmo tomar um café quente pode ser um problema se não estiver perto de sua caneca térmica, que o permite segurar com as duas mãos tranquilamente. Obviamente teve muita dificuldade na adolescência, sendo excluído do grupinho dos “legais”. Hoje vive bem. Possui um emprego de supervisor de um grande atacado e, depois de alguns relacionamentos frustrados, vive uma vida tranqüila e feliz. Não ganha o salário dos seus sonhos, mas está em paz consigo mesmo e vive muito bem, obrigado.

Régis nasceu com uma doença rara. Suas duas pernas são paralisadas e atrofiam mais e mais a cada dia. Ele sabe que um dia terá que amputa-las. Teve muita dificuldade quando adolescente, principalmente com as meninas, que tinham vergonha de ficar com ele. Mas isso desenvolveu em Régis uma inteligência emocional altíssima. Só de olhar para a pessoa ele sabe quem é boa índole e quem não é. Por essa mesma razão hoje é casado com Paula, uma mulher sensacional. É contador em uma multinacional, com um salário que lhe permite todo ano fazer o que mais gosta – passar todo o mês de fevereiro com sua esposa em Santa Catarina. Como não pode ter filhos, está pensando em adotar um menino pobre no próximo ano.

Alexandre nasceu com 4 quilos – um lindo garoto. Seus pais, de classe-média baixa, lhe ensinaram desde pequeno que com esforço se consegue tudo. Sempre fez bastante sucesso com as meninas, chegando a ter três namoradas ao mesmo tempo. E sempre trabalhou muito. Começou como estagiário em uma grande empresa de ferramentas. No turno da noite, o emprego de garçom lhe garantia o sustento necessário. Logo foi subindo de cargo na empresa de ferramentas a ponto de conseguir, depois de cinco anos, largar seu emprego de garçom à noite. Mas o turno da noite não ficou livre não. Aficcionado pelo sucesso, trabalhava de 12 a 14 horas por dia. Talvez por isso mesmo, a empresa lhe tenha dado o cargo de gerente de área – um cargo nunca nem imaginado para alguém oriundo de uma família tão humilde.

Um dia, em uma visita à filial de Florianópolis, passando pela praia da Daniela, Alexandre vê seu amigo de escola, Mário. Eles haviam estudado juntos o primeiro grau. Atreveu-se a parar.

- Mário, é você? Lembra de mim? Do colégio Ceará?

- Mas é claro. Você continua igual! Como estão as coisas? Esse é o meu amigo, o Régis. Na verdade estou veraneando na casa dele.

- Sente-se aí, fala Régis a Alexandre, apontando para uma cadeira vazia ao lado. Relaxe um pouco!

E pela primeira vez, em anos, Alexandre, sentindo-se acolhido e, claro, depois de algumas cervejas, começa a falar da sua trajetória e de quanto sentia falta de sair com amigos, de ter uma pessoa a quem se apoiar. Mário e Régis também compartilharam suas histórias de vida. Quando viram, a conversa tinha entrado noite adentro.

- Puxa, vocês dois têm problemas que poderiam impedi-los facilmente de ser feliz. Mas não, estão aí, vivendo a vida do jeito que ela deve ser vivida...

- Aí que você se engana, falou calmamente Régis. Eu e o Mário nascemos assim. Não temos como esconder os nossos problemas e tivemos que enfrentá-los. Os problemas mais difíceis da vida são aqueles que não vemos. Ou pior, que não queremos ver. A vida deve ser encarada como uma aventura. E certamente o emprego é um dos diversos meios para que isso ocorra. Só um meio.

Eu tenho orgulho de ter Régis e o Mário em meu círculo de amizades. Além de enfrentarem os problemas que possuem com grande destreza, são pessoas excelentes. Naquele dia, sem nem saberem disso, mudaram completamente a vida de Alexandre, que saiu daquela casa com um objetivo: sentir-se gente, como há tempos não se sentia.

Dr. Zambol
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