segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Duvide de Suas Certezas

Meu pai é um delegado de polícia aposentado. Qualquer profissão tem suas histórias engraçadas, mas história policial sempre tem um gostinho especial. Principalmente se for história "das antigas", quando a polícia ainda tinha força e era respeitada.

Pois bem. Quando ele era delegado de furtos, começou a perceber que saía com menos dinheiro do que tinha entrado - e não se lembrava de ter gasto aquele dinheiro. Decidiu então fazer um teste um dia, colocando uma quantia exata de dinheiro dentro de sua leva-tudo ("homem não usa bolsa - usa leva-tudo", como sempre fazia questão de repetir com sua bolsa à tira-colo), e percebeu que realmente estava sendo furtado. Olhe a ironia - delegado de polícia, dentro da delegacia de furtos, sendo furtado...

Chamou então a perícia e pediu que passassem um pó especial no dinheiro que ia colocar dentro da leva-tudo. Deixou a leva-tudo em cima da mesa, onde sempre deixava, e avisou a equipe que tinha que sair rapidinho e que em uma hora estaria de volta. Naquela época, esse pó era considerado um método infalível para furtos desse tipo.

Qual foi a surpresa quando, na volta de sua pequena saída, um grande montante do dinheiro havia sumido. Com um sorriso no rosto, chamou a equipe toda para sua sala.

- Pessoal, esse é o inspetor Perez. Ele é da perícia. Está aqui para nos ajudar a resolver um mistério: algum de vocês está me roubando.

Silêncio. Todo o time - mais ou menos umas 20 pessoas - estava com a expressão de espanto e não emitia e nem respirava direito.

Depois de analisar os rostos de cada um, meu pai continuou o discurso:

- Expliquei esses dias para o Perez a situação e disse que queria colocar esse safado na cadeia. Foi quando então concordamos em colocar um pó invisível no dinheiro, que foi colocado, como sempre, dentro da minha leva-tudo. Pois bem, esse pó, apesar de invisível a olho nu, brilha quando iluminado com luz ultra-violeta. O FDP que me roubou vai estar brilhando quando realizarmos o teste. Mesmo se ele lavou as mãos, ainda o teste dará positivo.

Alguns ruídos de desconforto, mas praticamente quase todo mundo continuava estático.

- Bom, vamos apagar a luz agora e o Perez vai iluminar um a um. Tudo o que vocês precisam fazer é estender as mãos.

E o teste começou. Apagou-se a luz e um a um foi estendendo as mãos e sendo iluminado com a luz ultra-violeta.

Quando a sexta pessoa, o motorista particular do meu pai naquela época, estendeu as mãos, seus dedos brilharam.

Imediatamente as luzes se acenderam e meu pai deu um discurso citando diversas vezes a mãe do motorista e, não fosse a turma do deixa-pra-lá, teria dado uma bofetada na frente de todo mundo (falei que a turma era "das antigas").

O motorista por sua vez negava tudo. Insistia que nunca chegou perto da leva-tudo e que não sabia como isso estava acontecendo. De tão insistente que foi e tão convicto que era em seus argumentos, meu pai desconfiou e, antes de prendê-lo, pediu que as luzes se apagassem novamente para continuar os testes.

E não é que o décimo a ser testado parecia uma árvore de natal? Tinha a mão toda brilhando, o bolso completamente iluminado (onde havia colocado o dinheiro) e os cabelos estavam brilhando como comercial de Motel - pelo jeito o sujeito estava com uma coceira danada na cabeça aquele dia.

Depois de apertar daqui e dali (literalmente), o sujeito confessou que tinha feito aquilo porque precisava pagar suas dívidas (esse tipo de vagabundo sempre tem uma história triste para justificar suas ações). O dinheiro ainda estava no seu bolso. O sujeito foi imediatamente preso e posteriormente expulso da polícia.

Finalizou-se os teste nos outros e ninguém apresentou mais nenhum vestígio de "luminosidade". Foi quando as atenções voltaram-se novamente ao motorista, que continuava insistindo que nada tinha a ver com aquilo tudo.

Meu pai então, com seu jeito CSI de ser, começou a perguntar se tinha mexido com algum produto químico, citando diversos exemplo. Foi então que o motorista lembrou-se que tinha um calo, e estava usando calicida.

- Você está com o calicida com você? Perguntou Perez.
- Sim, está na minha mesa.

Quando voltou, Perez pegou o calicida e passou um pouco na mesa. Apagou a luz e .... voilá... brilhava com a luz ultra-violeta.

Essa história tem diversas lições de vida. Posteriormente, muitos anos depois de ser expulso da polícia, por aquelas coincidências da vida, a pessoa que havia roubado meu pai foi morto em um tiroteio com a polícia depois de ter roubado uma loja.

Estamos cheios de pós invisíveis e motoristas em nosso dia-a-dia. Nossa certeza em certos métodos e padrões coloca em dúvida pessoas e ações que deveriam ter nosso apoio total. Além disso, a história poderia ser muito pior, com o motorista levando toda a culpa e o verdadeiro salafrário saindo ileso. Pense bem: como a maioria de nós trabalha em um ambiente de escritório geralmente os erros não levam as pessoas para a cadeia, temos a tendência de chegar a algumas conclusões rapidamente, sem escrutinar o fato minuciosamente.

Temos que ter a maturidade de duvidar de nossas certezas. O orgulho nunca, nenhuma vez, nos ajudou ou ajudará a resolver qualquer coisa. A dúvida do meu pai no "método infalível" da época, mesmo sob a insistência do perito que nunca tinha visto falso positivo, fez com que o destino de duas pessoas mudasse naquele dia. Nosso vida pode mudar completamente por um pequeno ato - uma palavra errada em uma conversa pode fazer a pessoa abandonar o emprego onde está, que pode então levá-lo a mudar de cidade, que pode então leva-lo a uma separação e, do nada, toda uma vida foi alterada por uma simples palavrinha. Não se engane, palavras e pequenas ações mudam sim o curso de diversas vidas - algumas quase nada, outras de forma dramática.

Lembre-se disso. Líder que não duvida de si, que não coloca seus valores à prova todo o dia, é um líder ruim, um líder que pode estar arruinando vidas à sua volta. E líder assim, ninguém quer... nem como inimigo.

Dr. Zambol
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