quarta-feira, 4 de maio de 2011

Detalhes - Reedição

17/12/2010 - 21hs e 12 min.  
Ele levou o copo à boca e degustou o vinho.
- Roberto, Roberto.
Ouviu chamar seu nome, mas sua cabeça estava muito distante dali, em um sábado, mais ou menos seis meses atrás:
- Diego?
- É ele.
- Diego é o Roberto. Eu não queria incomodar você logo em um sábado à tarde, mas o fato é que estou em São Paulo e sei que você estará viajando na próxima semana. Tenho algo muito importante para tratar.
- Claro, sem problema. Pode ser daqui a uma hora? Você tem o endereço do meu apartamento?

Diego era o chefe de Roberto e CEO da empresa. Apesar de workaholic ele sabia que uma reunião de última hora durante o fim de semana não era bom sinal. 
Estava certo. 
Roberto tinha em mãos a carta de demissão e não sairia da casa do chefe sem entregá-la. Contratado poucos meses atrás para tocar a área comercial ele amargava uma sequência de números ruins. Não estava acostumado com isso. Decidiu, portanto, sair enquanto mantinha alguma dignidade.
O chefe o recebeu à porta. Mancava lentamente e deslocava-se, como de costume, com a ajuda de uma bengala. Roberto ensaiou mentalmente o discurso, mas, antes de começar, teve a sua atenção desviada. Por sobre o ombro do chefe um pássaro voava em direção à janela, apenas para desviar a rota no último segundo, evitando a colisão.
Roberto foi então direto ao ponto:
- Diego, essa é a minha carta de demissão. Pensei muito antes de vir falar com você e minha decisão é final e irrevogável.
O chefe entendeu que se tratava de um caminho sem volta, tratou então de acertar os detalhes para uma transição menos traumática.

Seis meses depois Roberto lembrava do ocorrido enquanto terminava o vinho na companhia da esposa. Desempregado desde então, ele já não tinha mais certeza se havia tomado a decisão correta.

17/12/2010 - 21hs e 12 min. 
Ele levou o copo à boca e degustou o vinho.
- Roberto, Roberto.
Sua cabeça estava muito longe dali, em um sábado à tarde, mais ou menos seis meses atrás:
- Diego? Diego é o Roberto. Não queria incomodar logo em um sábado à tarde, mas o fato é que estou em São Paulo e preciso muito falar com você.

Foi atendido por um chefe que mancava, caminhando lentamente com a ajuda da inseparável bengala. Tomou coragem, mas, quando começava a falar ouviram um forte estrondo vindo da janela. 
- Só um segundo que vou ver o que é. - Pediu Diego.
Sozinho na sala imensa, Roberto começou a contemplar a decoração. Foi quando percebeu sobre um aparador um conjunto de fotos do chefe. A primeira mostrava Diego poucos anos mais jovem, sentado sobre uma Harley, de capacete e bota. A segunda era chocante, exibia apenas os restos de uma moto destruída. A terceira, na verdade uma radiografia, continha ossos de uma perna com pelo menos quinze pinos e peças de aço. A última, que encerrava o quadro, mostrava um Diego já mais velho, montado novamente em uma Harley, sorrindo com a  bengala atravessada no guidão. 
Estava tão absorto em seus pensamentos que nem percebeu o retorno do chefe:
- Você acredita? Foi um pássaro que se chocou contra a janela, deve ter perdido o controle por causa do vento. Então, o que você tem para me dizer?
Ainda perplexo pelas imagens, Roberto olhou o chefe nos olhos:
- Na verdade não é nada tão urgente assim, queria revisar o plano de vendas com você antes da viagem. Acho que podemos falar depois seu retorno.

Terminou o copo de vinho, olhou para o palco e ouviu o chefe gritar novamente seu nome:
- Roberto, vem para cá! Pessoal, pessoal, uma salva de palmas para o nosso diretor comercial. Quero entregar um prêmio hoje, um singelo reconhecimento ao nosso diretor que depois de um começo difícil bateu todas as metas e colocou nossa empresa novamente na liderança do mercado.

[]s
Jack DelaVega