quarta-feira, 23 de março de 2011

O Dia dos Mortos-Vivos

Arthur chegou atrasado no escritório, mas não havia ninguém na recepção. Da porta conseguiu espiar a mesa do chefe. Vazia, estranho. Correu para a mesa, ligou o monitor, efetuou o login e fez cara de quem trabalhava desde cedo. Mas logo percebeu que algo não estava certo, era quase nove e meia e a empresa continuava estranhamente silenciosa. Foi então que ouviu alguém se aproximando. Levantou da baia e encontrou o chefe que ficou lhe encarando. Nervoso, começou a falar:
- Olha, não consegui enviar aquele relatório ontem à noite mais já estou terminando agora. Só mais quinze minutos, prometo. 
Mas o chefe nada disse. Estava pálido, com um olhar mais distante do que o usual. Continuou andando na direção de Arthur, estendeu os braços e, subitamente, começou a enforcar o funcionário. Arthur só se deu conta do ato quando já era tarde. Tá certo que não era um grande funcionário, mas morte por enforcamento era um pouco de exagero. Estava até ok com uma demissão, quem sabe até uma justa-causa, mas enforcamento...
Acertou o telefone em cheio na cabeça do chefe, que cambaleou, soltando seu pescoço. Desesperado, correu para o refeitório, mas porta estava trancada. Pela janela viu outras pessoas lá dentro, que ouvindo seus gritos acabaram abrindo. Foi quando um dos outros sobreviventes explicou:
- Não sabemos ao certo quando começou, mas foi na área de RH. Alguns funcionários começaram a fazer tarefas repetitivas, sem pensar muito. O fato é que levou umas duas semanas para alguém perceber que tinha alguma coisa errada. Depois disso o que se sabe é que a epidemia se espalhou rapidamente pela empresa. 
Olharam pela janelinha do refeitório. Uma horda de zumbis passeava vagarosamente, como funcionários em uma daquelas antigas repartições públicas.
- Parece que eles se alimentam de cérebros.
- Xiii, devem estar famintos então, parece que acabaram de vir da diretoria, o negócio lá é complicado.
- Precisamos fazer alguma coisa, alguém tem um plano?
Foi então que Arthur enxergou no fundo do saguão um celular perdido em cima da mesa.
- É isso, precisamos pegar o celular. Alguém se habilita?
Ninguém.
- Vamos votar então.
Tadeu, o coitado do estagiário, foi eleito por unanimidade, nenhuma surpresa até aí. Ele saiu correndo do refeitório mas foi logo interpelado por vários zumbis que rapidamente o subjulgaram. Em um último esforço alcançou o extintor de incêndio e começou a distribuir pancadas nos mortos-vivos. Voltou esbaforido para o refeitório. 
- E então, consegui o celular?
- Sim, está aqui. 
Os outros estenderam a mão para pegar o certamente seria a sua salvação, mas Tadeu não entregou o aparelho. Ao invés disso começou o discurso:
- Isso é culpa dessa empresa que pratica o capitalismo selvagem sem se preocupar com o bem estar da sua força de trabalho.
Até aí tudo bem, mas não era hora para uma discussão como essa.
- Precisamos organizar o movimento e reivindicar os nossos direitos. Queremos maior participação nos lucros, igualdade de condições aos funcionários, maior estabilidade no emprego.
Foi quando Arthur se deu conta.
- Deixa ver o seu braço Tadeu! Ah, eu sabia! Ele foi mordido, já começou a se comportar como um dos zumbis.
O estagiário continuou:
- Jornada de 30 horas para todos sem redução de salário! Salário mínimo de mil dólares! Licença paternidade de seis meses!
Estava perdido, sem pensar muito jogaram o sujeito pela a janela, o contrato dele estava acabando mesmo e certamente não seria renovado. Mas com ele foi junto o celular.

Sentaram no refeitório resignados, sem saber o que fazer, temendo seu destino quando acabasse o café e as bolachinhas água e sal.

[]s
Jack DelaVega